2.6.08

BRASÍLIA: CABEÇA, TRONCO E RODAS

ROGÉRIO SCHUMANN ROSSO
Correio Braziliense
02.06.2008
Presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e ex-vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)Vivemos desde janeiro em meio a intensa discussão sobre o futuro do trânsito brasiliense. O debate acalorado da sociedade civil organizada e do governo traz diversos ângulos e fatores que levaram o Distrito Federal a ocupar posição de destaque entre as metrópoles brasileiras com o maior número de veículos nas ruas. O alerta para medidas concretas que amenizem os constantes congestionamentos, a falta de estacionamentos, a violência no trânsito e o respeito entre motoristas, ciclistas e pedestres foi dado há algum tempo, mas só agora nos demos conta de quão dura é a realidade.
Em menos de oito anos, tivemos duplicada a nossa frota de veículos. De 2000 a 2008, presenciamos o boom da indústria automobilística no Distrito Federal pelo aumento na oferta de veículos e pela facilidade nas condições de financiamento e pagamento do bem que, até o fim dos anos 80 do século passado, era presença constante apenas a partir da classe média alta.
Os números são ainda mais relevantes se analisarmos os dados separando o número global de veículos por automóveis, motocicletas e caminhonetes. Os mais de 998 mil carros da frota atual representam crescimento de 170% se comparado com o ano 2000. Tínhamos, há quase uma década, pouco mais de 525 mil carros. O número de motocicletas cresceu 365%, passando de 25,9 mil em 2000 para 94,9 mil. O número de caminhonetes teve um crescimento de 1.100%, com de 3 mil veículos em 2000 e mais de 33 mil atualmente.
Hoje, ocupamos o primeiro lugar da Região Centro-Oeste em número de licenciamento de carros novos, à frente da maioria dos estados das regiões Norte e Nordeste. Com cerca de dois habitantes por veículo, ultrapassamos cidades muito superiores em território e número de habitantes, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Superamos, ainda, países de Primeiro Mundo, como os Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e Japão, entre outros.
É preciso lembrar que a nossa frota de veículos vem crescendo à proporção de nossa população. Entre 2000 e 2008, ganhamos mais meio milhão de brasilienses. De 12 regiões administrativas em 1989, passamos para 29 nos dias atuais. Tudo isso sem levar em consideração os veículos que migram diariamente dos municípios vizinhos do Entorno em busca de oportunidades na capital federal. Antes do cinqüentenário de Brasília, já ultrapassamos a barreira de 1 milhão de carros. É cada dia mais latente o uso das principais vias da capital, como a EPIA, EPTG, EPNB, Estrutural e Eixo Monumental, que comportam milhares de veículos e, como conseqüência, contribuem para novos problemas, como os engarrafamentos e a deterioração do asfalto.
Apesar disso, para grande parte da população do Distrito Federal, o principal meio de locomoção é o transporte coletivo. Em cidades como o Paranoá, Recanto das Emas e Santa Maria o percentual médio de uso dos ônibus chega a 70%. Outra cidade que passou a utilizar sistematicamente o transporte coletivo, desta vez o metrô, foi Ceilândia, com mais de 150 mil usuários transportados diariamente.
São necessárias duas frentes de ação simultâneas para combater o caos do trânsito brasiliense. A primeira delas é o investimento governamental maciço para a melhoria do transporte público e das vias de acesso da cidade. Esse ponto está sendo amplamente contemplado pelo Governo do Distrito Federal com as várias intervenções viárias em vias como a EPTG e a EPIA, entre outras.
Também com o programa Brasília Integrada, que vai proporcionar melhorias consideráveis tanto no sistema de transporte público quanto no trânsito, já que prevê a modernização de ônibus, novas alternativas, como os microônibus e os veículos leves sobre trilhos e pneus, além de corredores exclusivos para separar ônibus de carros de passeio.
Investimentos na ampliação do metrô também são estudados, mas a idéia das vias expressas exclusivas para ônibus representa solução de curto prazo e relativamente barata, já que um quilômetro de metrô custa 60 vezes mais que um corredor. Para combater a falta de estacionamentos, pelo menos 50 mil novas vagas serão criadas com a proposta de parceria público-privada para estacionamentos subterrâneos nos principais pontos de gargalo da área central de Brasília.
A última e talvez a mais importante de todas as medidas urgentes é a conscientização da sociedade de que a colaboração é imprescindível para o sucesso no desenvolvimento de qualquer grande cidade. Todos os agentes que compõem o trânsito convivem harmonicamente, desde que cada integrante tenha a consciência de respeitar os seus espaços e os de seus semelhantes.

Trânsito legal
Editorial
Correio Braziliense
02.06.2008
Os freqüentes e crescentes transtornos no trânsito do Distrito Federal somente serão resolvidos com elevados investimentos no sistema de transporte público, em obras viárias, sinalização, campanhas educativas e fiscalização eficiente. Ou seja, a solução apenas virá a médio e longo prazo. Como não dá para esperar, as medidas emergenciais anunciadas pelo GDF na semana passada poderão, se efetivadas como prometido, ao menos começar a amenizar a situação de caos que toma conta das ruas e avenidas da capital da República.
Brasília cruzou sua primeira década sem nem sequer precisar de semáforos. Mas o inchaço populacional, a multiplicação desenfreada da frota de veículos, a falta de planejamento e de prioridade para a condução coletiva eram prenúncio da balbúrdia hoje instalada. Não só o fluxo de veículos resultou prejudicado. Faltam vagas para estacionar. As condições das vias e a sinalização deterioram-se. Motoristas despreparados transitam livremente. O acanhado número de agentes de trânsito favorece a impunidade. Resultado: abusos se sucedem e deixam para trás um rastro de tragédias.
Na quinta-feira, a fiscalização foi reforçada, com mais 100 policiais militares e 80 agentes do Detran nas ruas. Já naquele dia, o número de multas foi duas vezes maior que o habitual. Pesou no bolso, mas o brasiliense, em geral, apoiou, ainda que com a correta ressalva de que não basta punir, é necessário oferecer as condições para o trânsito seguro. E o efetivo, mesmo revigorado, continua longe do ideal. Tanto que o próprio GDF anunciava a disposição de pôr mais 800 fiscais para orientar motoristas e flagrar infratores. Além disso, a ação ficou restrita ao Plano Piloto.
A determinação é tolerância zero com as filas duplas. Bom para desobstruir pistas e impor respeito. Também estão sendo desencadeadas blitzes inteligentes, com o uso de radares móveis capazes de identificar, pela leitura da placa, veículos irregulares. Está em estudo a restrição à circulação de caminhões durante horários de pico na Estrada Parque Taguatinga — Guará (EPTG) e de carga e descarga de mercadoria nas entrequadras. Faixas de pedestre serão pintadas e três trens do metrô em manutenção serão reintegrados ao sistema até o fim do mês.
No conjunto, as medidas valem como importante ponto de partida. Entre elas consta ainda o lançamento de campanha educativa com duas características essenciais: permanência e atualização constante. Não se entende como a mais notória delas, a Paz no Trânsito, pôde ser abandonada justo quando empolgava o brasiliense e contagiava o resto do país com exemplos de cidadania. Espera-se, pois, que, desta vez — e aí é preciso que a população a assuma com o entusiasmo de antes —, seja de fato perene. E que a fiscalização não esmoreça ao longo do tempo. Ao contrário, é preciso recrudescê-la sempre. Com ou sem trocadilho, só o respeito às leis tornará o trânsito legal.