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9.9.09

AGOSTO, 1969**


Virgínia de Paula
Nos dias 15, 16 e 17 de agosto de 1969, jovens americanos mostravam ao mundo que era possível viver em paz, com valores diferentes dos preconizados na época. E os jovens de Montes Claros? O que faziam? Onde estavam? É o que pergunta Luis Carlos Novais, em seu “Sapo Na Muda”. Respondo por mim: Na sala de recepção da Fábrica de Cimento, atendo telefonemas, dizendo “Cimento Montes Claros, bom dia.” Comigo, na mesma sala, Rafael Reis, salva meu dia do tédio, com suas conversas filosóficas. De vez em quando, entra Chico Ornelas, em ritmo acelerado, indo direto para a sala do chefe, enviando um sorriso, ao passar. E lá vem Lirs Helena, deixando sua máquina de escrever por breves momentos, para olhar a porta de saída, com um suspiro. Em cima da minha mesa, um exemplar do jornal inglês Music Echo, deixa-me informada sobre o mundo musical. E assim, fico sabendo de algo tremendo, acontecendo em Bethel, NY, USA. Chamado The Woodstock Music & Arts Fair, anunciado como “Uma Exposição Aquariana”, seu singelo pôster enfeita a página central do jornal. Um pôster que, na sua simplicidade, diz tudo. Pomba e violão. Paz e Música. Com o passar das horas, via-se que o festival, era mais do que um show da melhor qualidade. Era também, o mais novo recado aos “donos” do mundo. O primeiro tinha sido em Monterey, dois anos antes, quando Janis Joplin nos foi revelada. Em Woodstock, tudo era gigantesco, recebendo 400.000 “hippies” e simpatizantes. Com um detalhe: os primeiros a chegar pagaram o ingresso. Depois, vira entrada franca, tudo compartilhado, jogando fora o conceito capitalista do evento. Ali, no meu canto da Matsulfur, fora do meu elemento, preocupada com o morro “Dois Irmãos” virando cimento, a leitura dos artigos permitem que eu imagine um mundo de amor, antes de John Lennon compor “Imagine”. No meio do sonho, o telefone toca: “Cimento Montes Claros, boa tarde”.
Ano seguinte, chega a trilha da peça Hair, com o mesmo espírito libertário. E vou a Londres conferir de perto o que era aquilo. Espantoso. Parecia ser festival o tempo inteiro! O de Woodstock chega até nós via filme, nas telas do cine Montes Claros. Na primeira fila, recordo as presenças de Armênio Graça, Waltinho Fernandes, Patão, Haroldo Tourinho. Na segunda fila, Raquel de Paula, Miriam e Rita Maciel, e eu. Vem o prefixo, as luzes se apagam, a cortina se abre e...milagre. De repente, somos transportados para aquela fazenda, constatando não haver diferença entre a essência do sonho vivido ali e o nosso. Andamos no meio da multidão colorida, que falava o que queríamos ouvir. Cantamos o canto da chuva, rolamos na lama, soletramos “aquela palavra” com Country Joe and the Fish. E, ouvindo Joan Baez , de olhos umedecidos, cantando seu sonho com Joe Hill, impossível não pensar nos muitos brasileiros vítimas da truculência do governo. Não importava se o drama fosse uma guerra ou uma ditadura. Queríamos a liberdade. “Freedom, freedom”, clama Ritchie Havens. A sua voz era a nossa voz.
No filme, os “habitantes” daquele festival, valem tanto quanto as estrelas no palco, falando ao mundo que queriam fazer amor, e não a guerra. Fazem o sinal da paz, com os dedos. Nós também. Entramos no clima, compartilhando tudo, até o alimento. “Keep feeding each other”, diz alguém ao microfone. Chega Joe Cocker, nos deixando em transe. E vem The Who, fazendo Haroldo levantar e cantar: “See me, free me, touch me, heal me”. É hora de Alvin Lee nos deixar em êxtase com sua guitarra. Finalmente, como vindo do céu, surge Jimmy Hendrix, deixando um perfume de incenso no ar.
Fim do filme. Regresso a Montes Claros. Mudados para sempre. Houve tentativas de fazer igual. “Nada deu certo”, disse Luis. Nem era para dar. Cá entre nós, houve excessos. Perderam a rota. Porém, tenho por mim, que o acontecido ali, foi semeadura. Algo que nem os participantes se deram conta. Andando entre eles, vimos que flutuavam com ajuda “extra”. E o ácido marrom, era de má qualidade, como avisaram pelo microfone. Mas, plantaram sementes para futura colheita. Tivessem brotado antes, talvez hoje ainda existissem as árvores cheias de frutas de Chorró, talvez ainda existisse aquele rio destruído. Triste pensar que tal destruição veio pelas mãos da nossa geração, dos que se perderam no caminho. Ou que simplesmente, nunca estiveram no caminho, e seguiram, como manada, os conceitos de uma geração anterior. As que nos seguiram, não fizeram bonito. Mas, o plantado em terras Woodstoquianas haverá de frutificar. Já vejo os primeiros brotos. Os “Dois Irmãos” não mais viram cimento. Ecovilas pululam aqui e ali, possibilitando o sonho comunitário, que doidamente, e desorganizadamente, ousou acontecer durante três dias em 1969. Agora, de forma saudável e organizada. Então, é isso. Há quarenta anos, tudo era diferente aqui. Mas, espere aí... naqueles dias, na distante Montes Claros, acontecia a Festa de Agosto. Enquanto os americanos festejavam por lá, nós, aqui, dançávamos com os catopês, a marujada, e caboclinhos, com a mamãe vovó, o papai vovô, com Manoel Quatrocentos vestido de cacicona. Então, não era tão diferente assim. E viva Nossa Senhora do Rosário! Viva São Benedito. Viva o Divino. Paz e amor, bicho!