EDITORIAL
Jornal do Brasil
22.04.2008
A teoria e a prática das democracias mais eficazes informam que a descentralização dos serviços públicos costuma produzir ganhos notáveis à população. Governos locais, ensina a história, exibem melhores condições de prestar tais serviços – a começar por um poder maior de fiscalização dos governantes por parte dos governados. (Em outros casos, transferem-se responsabilidades ao governo estadual).
Eis por que os sete acordos firmados entre o governo estadual e a prefeitura do Rio foram saudados como uma atitude bem-vinda. Pelo que demonstraram reportagens do JB publicadas domingo e ontem, a troca de comando em certos serviços poderia ser, no caso do Rio, uma boa idéia. Mas o elogio resumiu-se à teoria. Na prática, os resultados mostram que, em vez de aliviar a rotina do carioca, transformou-se em pesadelo. No extremo, uma verdadeiro desastre.
Um dos exemplos exibidos pelas reportagens foi a creche Carlos Alberto Ferreira Braga no morro Dona Marta. Inaugurada em 2006 pela então governadora Rosinha Garotinho, foi passada pelo governador Sérgio Cabral ao prefeito Cesar Maia em janeiro de 2007. Está parada desde então. No jogo de empurra, ninguém se responsabiliza pela paralisação da creche. A Secretaria Municipal de Educação alega que a creche "está em local de difícil acesso e foi entregue sem energia elétrica". A Light "aguarda pronunciamento da secretaria acerca do orçamento". O resultado é lamentável: mães de famílias mais pobres ficam impedidas de procurar emprego; não têm com quem deixar seus filhos e tampouco podem pagar R$ 200 por mês por um serviço desse tipo.
Em outro convênio, o descaso da prefeitura permeia uma das principais vias expressas da cidade, a Linha Vermelha. São mais de 21 quilômetros de buracos, remendos de má qualidade e péssima sinalização – mazelas tornadas ainda maiores com a transferência do Departamento de Estradas de Rodagem para a Secretaria Municipal de Transportes.
Das melhorias previstas no convênio, menos da metade saiu do papel. Os 120 mil veículos diários que circulam pela via deparam-se com uma infinidade de buracos, rachaduras, desníveis no asfalto e sinalização ruim, além de faixas de rolamentos apagadas e animais na pista. O governo estadual previa que a prefeitura construísse dois novos acessos à Linha Vermelha. Apesar de apenas a alça na altura da Ilha do Governador ter sido entregue, Cesar Maia garante que tudo corre bem. Mais: sob a administração do Estado eram gastos R$ 500 mil por mês para manutenção. A gestão municipal, porém, abriu mão de R$ 2 milhões no ano passado apenas para limpeza do sistema de drenagem e recuperação de grade de proteção.
Incluído na galeria de problemas ampliados com os recentes convênios, o meio ambiente sofre com as derrapadas do poder municipal dentro de tais acordos. A prefeitura dividiu em duas as frentes responsáveis pelo setor. Na Secretaria de Habitação, que cuida das favelas, as obras sequer saíram do "processo de licitação" desde janeiro de 2007. Responsável pela limpeza da Lagoa Rodrigo de Freitas e de 230 rios e canais, a Secretaria de Obras caminha a passos de tartaruga. Apesar de estar prevista multa para a parte que não cumprir suas obrigações no convênio, a omissão prevalece.
Num quadro marcado por desordem urbana e abandono, é inconcebível a população pagar pela ausência do poder municipal. Lamente-se a arquitetura de degradação à qual o prefeito converteu a Cidade Maravilhosa – ruas esburacadas, proliferação de camelôs e flanelinhas, praças abandonadas, transporte ilegal em expansão, favelização crescente, vulnerabilidade do túnel Rebouças, aumento exacerbado do IPTU e descaso com a epidemia de dengue. Eis o cenário desolador a que são submetidos os 6 milhões de cariocas e seus milhares de visitantes.
Jornal do Brasil
22.04.2008
A teoria e a prática das democracias mais eficazes informam que a descentralização dos serviços públicos costuma produzir ganhos notáveis à população. Governos locais, ensina a história, exibem melhores condições de prestar tais serviços – a começar por um poder maior de fiscalização dos governantes por parte dos governados. (Em outros casos, transferem-se responsabilidades ao governo estadual).
Eis por que os sete acordos firmados entre o governo estadual e a prefeitura do Rio foram saudados como uma atitude bem-vinda. Pelo que demonstraram reportagens do JB publicadas domingo e ontem, a troca de comando em certos serviços poderia ser, no caso do Rio, uma boa idéia. Mas o elogio resumiu-se à teoria. Na prática, os resultados mostram que, em vez de aliviar a rotina do carioca, transformou-se em pesadelo. No extremo, uma verdadeiro desastre.
Um dos exemplos exibidos pelas reportagens foi a creche Carlos Alberto Ferreira Braga no morro Dona Marta. Inaugurada em 2006 pela então governadora Rosinha Garotinho, foi passada pelo governador Sérgio Cabral ao prefeito Cesar Maia em janeiro de 2007. Está parada desde então. No jogo de empurra, ninguém se responsabiliza pela paralisação da creche. A Secretaria Municipal de Educação alega que a creche "está em local de difícil acesso e foi entregue sem energia elétrica". A Light "aguarda pronunciamento da secretaria acerca do orçamento". O resultado é lamentável: mães de famílias mais pobres ficam impedidas de procurar emprego; não têm com quem deixar seus filhos e tampouco podem pagar R$ 200 por mês por um serviço desse tipo.
Em outro convênio, o descaso da prefeitura permeia uma das principais vias expressas da cidade, a Linha Vermelha. São mais de 21 quilômetros de buracos, remendos de má qualidade e péssima sinalização – mazelas tornadas ainda maiores com a transferência do Departamento de Estradas de Rodagem para a Secretaria Municipal de Transportes.
Das melhorias previstas no convênio, menos da metade saiu do papel. Os 120 mil veículos diários que circulam pela via deparam-se com uma infinidade de buracos, rachaduras, desníveis no asfalto e sinalização ruim, além de faixas de rolamentos apagadas e animais na pista. O governo estadual previa que a prefeitura construísse dois novos acessos à Linha Vermelha. Apesar de apenas a alça na altura da Ilha do Governador ter sido entregue, Cesar Maia garante que tudo corre bem. Mais: sob a administração do Estado eram gastos R$ 500 mil por mês para manutenção. A gestão municipal, porém, abriu mão de R$ 2 milhões no ano passado apenas para limpeza do sistema de drenagem e recuperação de grade de proteção.
Incluído na galeria de problemas ampliados com os recentes convênios, o meio ambiente sofre com as derrapadas do poder municipal dentro de tais acordos. A prefeitura dividiu em duas as frentes responsáveis pelo setor. Na Secretaria de Habitação, que cuida das favelas, as obras sequer saíram do "processo de licitação" desde janeiro de 2007. Responsável pela limpeza da Lagoa Rodrigo de Freitas e de 230 rios e canais, a Secretaria de Obras caminha a passos de tartaruga. Apesar de estar prevista multa para a parte que não cumprir suas obrigações no convênio, a omissão prevalece.
Num quadro marcado por desordem urbana e abandono, é inconcebível a população pagar pela ausência do poder municipal. Lamente-se a arquitetura de degradação à qual o prefeito converteu a Cidade Maravilhosa – ruas esburacadas, proliferação de camelôs e flanelinhas, praças abandonadas, transporte ilegal em expansão, favelização crescente, vulnerabilidade do túnel Rebouças, aumento exacerbado do IPTU e descaso com a epidemia de dengue. Eis o cenário desolador a que são submetidos os 6 milhões de cariocas e seus milhares de visitantes.