Guilherme Fiuza :: "Como Johnny, gosto da liberdade"
Época num. 0515
31/3/2008
O escritor revela o que tem em comum com seu personagem em resposta aos leitores de ÉPOCA
O jornalista Guilherme Fiuza é autor de Meu Nome não É Johnny, cuja adaptação para o cinema atraiu mais de 1 milhão de espectadores. Nesta entrevista, ele conta como descobriu a história de João Guilherme Estrella, jovem de classe média que virou um dos maiores traficantes cariocas da década de 1980 até ser preso e internado em um manicômio por dois anos. Fiuza – que a partir desta semana passa a integrar a equipe de blogueiros de epoca.com.br – nega que o filme ajude a glamourizar o tráfico entre os jovens e dá sua opinião sobre as possíveis conseqüências da legalização das drogas.
Época num. 0515
31/3/2008
O escritor revela o que tem em comum com seu personagem em resposta aos leitores de ÉPOCA
O jornalista Guilherme Fiuza é autor de Meu Nome não É Johnny, cuja adaptação para o cinema atraiu mais de 1 milhão de espectadores. Nesta entrevista, ele conta como descobriu a história de João Guilherme Estrella, jovem de classe média que virou um dos maiores traficantes cariocas da década de 1980 até ser preso e internado em um manicômio por dois anos. Fiuza – que a partir desta semana passa a integrar a equipe de blogueiros de epoca.com.br – nega que o filme ajude a glamourizar o tráfico entre os jovens e dá sua opinião sobre as possíveis conseqüências da legalização das drogas.
QUEM É: Guilherme Fiuza nasceu no Rio de Janeiro em 1965. Jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, trabalhou em veículos como O Globo e NoMínimo. É casado e tem dois filhos, João, de 15 anos, e Maria, de 11
O QUE PUBLICOU: Publicou os livros Meu Nome não É Johnny (2004) e 3.000 Dias no Bunker (2006), e está trabalhando em um terceiro, sobre o trabalho de Chico Mendes na Amazônia.
O QUE PUBLICOU: Publicou os livros Meu Nome não É Johnny (2004) e 3.000 Dias no Bunker (2006), e está trabalhando em um terceiro, sobre o trabalho de Chico Mendes na Amazônia.
ENTREVISTA:
Com o sucesso do livro e do filme Meu Nome não É Johnny, você não teme inverter os valores de uma juventude despreparada e influenciável com a história de um traficante que deixou as páginas policiais para entrar nas colunas sociais?Édina Silva, Porto Velho, RO
Guilherme Fiuza – Toda juventude é despreparada e influenciável. Se não for despreparada e influenciável, não é juventude. No entanto, se ficarmos achando que os jovens não são capazes de fazer escolhas, que só seguirão o caminho certo se dissermos a eles qual é o caminho certo, os tornaremos ainda mais despreparados e influenciáveis. Quanto à história do Johnny, acho que ele está sendo enaltecido não porque foi traficante, mas porque conseguiu escapar íntegro do tráfico, da prisão e de um caminho de morte.
Como você descobriu a história de João Guilherme Estrella?André Honório dos Reis, Arapuá, MG
Fiuza – Além de ser um personagem conhecido da boemia carioca, João é meu primo. O curioso é que, no tempo em que ele estava no tráfico, e em todos estes anos em que ficamos distantes, eu recebia notícias remotas, às vezes de pessoas que nem sabiam que eu o conhecia, dizendo que ele estava metido numa situação grave. Só consegui me reaproximar depois que João foi preso.
Quais as afinidades existentes entre os dois Guilhermes: o Fiuza e o Estrella?José Elias Aiex Neto, Foz do Iguaçu, PR
Fiuza – Por razões diferentes, acho que desenvolvemos um apreço especial pela liberdade – de opinião, no meu caso, e de ir e vir, no caso dele.
Você acha que a legalização de drogas ilícitas seria conceder direito de escolha aos cidadãos?Felipe Alves de Souza, São José, SC
Fiuza – As conseqüências do uso de drogas não poderiam estar mais camufladas do que estão hoje. Quando falo de maconha e cocaína, é como se estivesse falando de substâncias de outro planeta. Ninguém sabe, ninguém viu. E ainda aparecem uns paladinos da ética dizendo que têm nojo de quem enrola um baseado, porque financia a violência. É um discurso bonito. O problema é examinar se não é um pouco covarde exigir uma tomada geral de consciência de pessoas que às vezes não têm consciência nem do próprio umbigo.
Seu livro foi publicado em 2004, mas só ficou verdadeiramente conhecido quando a obra foi levada para as telas de cinema. Você se sente frustrado com isso?Mateus Alexandre Castanho, Brasília, DF
Fiuza – Quando o filme estreou, o livro já estava na quinta edição. Portanto, não dá para dizer que era desconhecido. Mas você tem razão, comparar o alcance do cinema com o da literatura é covardia. Vendi os direitos do livro para a produtora Mariza Leão dois meses depois de lançá-lo. Por isso, em 90% das entrevistas que eu dei, a questão central era que o livro ia virar filme. Aí eu comecei a responder: “Tudo bem, vai virar filme, mas já é um livro! Que tal lê-lo?”.
Meu Nome não É Johnny mostra a realidade do consumo de drogas ilícitas. Mas as drogas lícitas também não são uma mazela de toda a sociedade?Márcio Alexandre da Silva, Oscar Bressane, SP
Fiuza – Esse assunto seria mais simples se as drogas fossem só uma mazela. Como é a corrupção. Mas elas não são. Se você gosta de tomar uma taça de vinho em casa, depois do trabalho, ouvindo boa música, você está se drogando. E não necessariamente se fazendo mal. Já o consumo exagerado de pinga no meio rural é uma praga. A proibição pura e simples, em minha opinião, é um engano perigoso. Só serve para jogar na clandestinidade o sofrimento dos viciados. E para fazer a festa dos traficantes. A idéia de que a proibição seja um basta às drogas é uma das maiores ilusões de nosso tempo.
"A idéia de que a proibição seja um basta às drogas é uma das maiores ilusões do nosso tempo "
Seu primeiro livro é sobre drogas, o segundo trata de política e o terceiro será sobre a Amazônia. Qual é seu critério de escolha?Flávio Soares, Rio de Janeiro, RJ
Fiuza – Depois que lancei o Johnny, recebi várias propostas para escrever histórias incríveis do submundo do tráfico. Recusei todas. Já estava pensando em contar os bastidores daquela equipe de intocáveis que fez o Plano Real (meu segundo livro, 3.000 Dias no Bunker). Respondia que tinha mudado de droga, da cocaína para a política. Depois do Bunker, a pergunta mais freqüente era se o novo livro seria sobre o mensalão. Mas eu já estava louco para mudar de droga de novo, e acabei indo me meter numa aventura amazônica que mistura Acre com Ipanema. O critério, se houver um, é a busca da emoção.
O filme sobre seu livro tem um final feliz. Será real essa mensagem, já que as estatísticas mostram que o mais provável para o dependente químico é a morte e, para o traficante, a prisão e a ruína psicossocial?Glaucia Regina D. Ferreira, Rio de Janeiro, RJ
Fiuza – Temos mania de sujeitar a realidade à estatística. Proponho o contrário. Talvez possamos modificar as estatísticas, para melhor, se dermos um pouco mais de valor ao que é real. Como a história do João Estrella.
Você está escrevendo um livro sobre a Amazônia. Qual é a receita para equilibrar desenvolvimento com preservação?José Maria da Costa Villar, Santos, SP
Fiuza – O livro é a aventura de um grupo de pessoas da cidade que conhecem Chico Mendes e depois da morte dele se embrenham na floresta para levar adiante seus sonhos. Não tenho, portanto, a receita que você me pede. Mas tenho a impressão de que deve haver um caminho entre a irresponsabilidade e a histeria. Talvez o velho bom senso.
Você assinou um blog de política em que escrevia até sobre futebol. Afinal, qual é sua especialidade?Gabriel Azambuja, Garopaba, SC
Fiuza – Nenhuma. Em artigos de opinião ou blog, sempre escrevi mais sobre política. Mas na guerra da disputa pela presidência da Câmara, por exemplo, que dominou o noticiário no início de 2007, meu editor me perguntou: “O que você vai escrever sobre a disputa entre Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia?” Respondi: “Nada”. Já quando os marajás da Seleção do Parreira pediram apartamentos individuais na Copa, escrevi o artigo “Adeus, hexa”, que repercutiu muito como um texto derrotista e, depois, como um texto profético. Não era nenhum dos dois. Era só o óbvio, que às vezes se esconde muito bem. Procurá-lo é sempre uma boa pauta.
Com o sucesso do livro e do filme Meu Nome não É Johnny, você não teme inverter os valores de uma juventude despreparada e influenciável com a história de um traficante que deixou as páginas policiais para entrar nas colunas sociais?Édina Silva, Porto Velho, RO
Guilherme Fiuza – Toda juventude é despreparada e influenciável. Se não for despreparada e influenciável, não é juventude. No entanto, se ficarmos achando que os jovens não são capazes de fazer escolhas, que só seguirão o caminho certo se dissermos a eles qual é o caminho certo, os tornaremos ainda mais despreparados e influenciáveis. Quanto à história do Johnny, acho que ele está sendo enaltecido não porque foi traficante, mas porque conseguiu escapar íntegro do tráfico, da prisão e de um caminho de morte.
Como você descobriu a história de João Guilherme Estrella?André Honório dos Reis, Arapuá, MG
Fiuza – Além de ser um personagem conhecido da boemia carioca, João é meu primo. O curioso é que, no tempo em que ele estava no tráfico, e em todos estes anos em que ficamos distantes, eu recebia notícias remotas, às vezes de pessoas que nem sabiam que eu o conhecia, dizendo que ele estava metido numa situação grave. Só consegui me reaproximar depois que João foi preso.
Quais as afinidades existentes entre os dois Guilhermes: o Fiuza e o Estrella?José Elias Aiex Neto, Foz do Iguaçu, PR
Fiuza – Por razões diferentes, acho que desenvolvemos um apreço especial pela liberdade – de opinião, no meu caso, e de ir e vir, no caso dele.
Você acha que a legalização de drogas ilícitas seria conceder direito de escolha aos cidadãos?Felipe Alves de Souza, São José, SC
Fiuza – As conseqüências do uso de drogas não poderiam estar mais camufladas do que estão hoje. Quando falo de maconha e cocaína, é como se estivesse falando de substâncias de outro planeta. Ninguém sabe, ninguém viu. E ainda aparecem uns paladinos da ética dizendo que têm nojo de quem enrola um baseado, porque financia a violência. É um discurso bonito. O problema é examinar se não é um pouco covarde exigir uma tomada geral de consciência de pessoas que às vezes não têm consciência nem do próprio umbigo.
Seu livro foi publicado em 2004, mas só ficou verdadeiramente conhecido quando a obra foi levada para as telas de cinema. Você se sente frustrado com isso?Mateus Alexandre Castanho, Brasília, DF
Fiuza – Quando o filme estreou, o livro já estava na quinta edição. Portanto, não dá para dizer que era desconhecido. Mas você tem razão, comparar o alcance do cinema com o da literatura é covardia. Vendi os direitos do livro para a produtora Mariza Leão dois meses depois de lançá-lo. Por isso, em 90% das entrevistas que eu dei, a questão central era que o livro ia virar filme. Aí eu comecei a responder: “Tudo bem, vai virar filme, mas já é um livro! Que tal lê-lo?”.
Meu Nome não É Johnny mostra a realidade do consumo de drogas ilícitas. Mas as drogas lícitas também não são uma mazela de toda a sociedade?Márcio Alexandre da Silva, Oscar Bressane, SP
Fiuza – Esse assunto seria mais simples se as drogas fossem só uma mazela. Como é a corrupção. Mas elas não são. Se você gosta de tomar uma taça de vinho em casa, depois do trabalho, ouvindo boa música, você está se drogando. E não necessariamente se fazendo mal. Já o consumo exagerado de pinga no meio rural é uma praga. A proibição pura e simples, em minha opinião, é um engano perigoso. Só serve para jogar na clandestinidade o sofrimento dos viciados. E para fazer a festa dos traficantes. A idéia de que a proibição seja um basta às drogas é uma das maiores ilusões de nosso tempo.
"A idéia de que a proibição seja um basta às drogas é uma das maiores ilusões do nosso tempo "
Seu primeiro livro é sobre drogas, o segundo trata de política e o terceiro será sobre a Amazônia. Qual é seu critério de escolha?Flávio Soares, Rio de Janeiro, RJ
Fiuza – Depois que lancei o Johnny, recebi várias propostas para escrever histórias incríveis do submundo do tráfico. Recusei todas. Já estava pensando em contar os bastidores daquela equipe de intocáveis que fez o Plano Real (meu segundo livro, 3.000 Dias no Bunker). Respondia que tinha mudado de droga, da cocaína para a política. Depois do Bunker, a pergunta mais freqüente era se o novo livro seria sobre o mensalão. Mas eu já estava louco para mudar de droga de novo, e acabei indo me meter numa aventura amazônica que mistura Acre com Ipanema. O critério, se houver um, é a busca da emoção.
O filme sobre seu livro tem um final feliz. Será real essa mensagem, já que as estatísticas mostram que o mais provável para o dependente químico é a morte e, para o traficante, a prisão e a ruína psicossocial?Glaucia Regina D. Ferreira, Rio de Janeiro, RJ
Fiuza – Temos mania de sujeitar a realidade à estatística. Proponho o contrário. Talvez possamos modificar as estatísticas, para melhor, se dermos um pouco mais de valor ao que é real. Como a história do João Estrella.
Você está escrevendo um livro sobre a Amazônia. Qual é a receita para equilibrar desenvolvimento com preservação?José Maria da Costa Villar, Santos, SP
Fiuza – O livro é a aventura de um grupo de pessoas da cidade que conhecem Chico Mendes e depois da morte dele se embrenham na floresta para levar adiante seus sonhos. Não tenho, portanto, a receita que você me pede. Mas tenho a impressão de que deve haver um caminho entre a irresponsabilidade e a histeria. Talvez o velho bom senso.
Você assinou um blog de política em que escrevia até sobre futebol. Afinal, qual é sua especialidade?Gabriel Azambuja, Garopaba, SC
Fiuza – Nenhuma. Em artigos de opinião ou blog, sempre escrevi mais sobre política. Mas na guerra da disputa pela presidência da Câmara, por exemplo, que dominou o noticiário no início de 2007, meu editor me perguntou: “O que você vai escrever sobre a disputa entre Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia?” Respondi: “Nada”. Já quando os marajás da Seleção do Parreira pediram apartamentos individuais na Copa, escrevi o artigo “Adeus, hexa”, que repercutiu muito como um texto derrotista e, depois, como um texto profético. Não era nenhum dos dois. Era só o óbvio, que às vezes se esconde muito bem. Procurá-lo é sempre uma boa pauta.