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13.8.07

SAUDADE...

HERMES AUGUSTO DE PAULA
(06.12.1909 - 10.06.83)


Nasceu em Montes Claros - MG, no dia 6 de dezembro de 1909, filho de Basílio de Paula Ferreira (1877/1951) e Joaquina Mendonça de Paula (1884/1947).
Fez o Jardim da Infância (curso Froebel) no Colégio Imaculada Conceição.
Fez o curso primário, primeiro e segundo anos, em Várzea da Palma, terceiro e quarto no Grupo Escolar Gonçalves Chaves (Montes Claros), o secundário no Colégio Arnaldo (Belo Horizonte) e no Grambery (Juiz de Fora). Diplomou-se em medicina em 1939 pela Faculdade Fluminense de Medicina (Niterói). Durante o curso médico trabalhou no instituto Vital Brasil, onde foi assistente do Dr. Vital.
De volta à sua terra, montou o primeiro laboratório de análises clínicas da região (mais tarde com o nome de Clínica Santa Mônica), ocasião em que criou um serpentário, onde colhia o veneno das cobras, cristalizavá-o e enviava para o Instituto Butantã, para a produção de soro. Foi membro do Conselho Consultivo da Associação Médica de Minas Gerais e fundador da regional de Montes Claros, membro da Sociedade de Higiene de Minas Gerais, diretor clínico da Santa Casa Nossa Senhora das Mercês, diretor-gerente do Instituto Antônio Teixeira de Carvalho (entidade de assistência à infância e à gestante), chefe do Centro Regional de Saúde, hoje 5ª Delegacia Regional de Saúde, professor de higiene e puericultura da Escola Estadual Professor Plínio Ribeiro (Montes Claros), médico do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais - DER/MG, chefe do departamento médico e assistencial do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, médico da Estada de Ferro Central do Brasil – E.F.C.B, chefe do setor de saúde pública da Prefeitura Municipal de Montes Claros. Idealizador, fundador e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Diretor da Fundação Universidade Norte de Minas, atual UNIMONTES.
Em outras áreas, foi escritor, historiador e folclorista, tendo deixado o livro Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes, em que resgatou toda a história do município, desde os seus primeiros habitantes (1707) e os costumes de seu povo através dos tempos. Além deste, lançou “Caderno de Modinhas” , “De Padre Chaves a Padre Dudu”, “A Medicina dos médicos e a outra” (editado pela UFMG). Deixou inédito “Legisladores de Montes Claros” e esboçado, “Aconteceu em Montes Claros”.
Foi diretor do Montes Claros Tênis Club, da Associação Desportiva Ateneu e da Associação Atlética Cassimiro de Abreu, presidente da Liga Montesclarense de Desportos, fundador e presidente do Clube de Caça e Pesca Egídio Prates (sem nunca ter sido caçador ou pescador), presidente da Associação de Escoteiros Antônio Gonçalves Figueira. Sócio fundador do Rotary Club de Montes Claros e do Elos Clube de Montes Claros, criador, construtor e presidente do Pentáurea Clube, vice-presidente da Sociedade Amigos do Progresso (responsável pela construção e instalação do Colégio Marista São José).
Idealizou e construiu, juntamente com os dançantes da festa de agosto, (catopês, marujos e caboclinhos), a capela do Rosário moderna, em forma de barca, numa referência a Barca Nova, dos marujos. Projeto do arquiteto Mércio Guimarães.
Considerava Montes Claros como a melhor cidade do mundo inteiro, e as nossas festas de agosto como a mais bonita festa folclórica do Brasil.
Fundou e dirigiu por 16 anos o Grupo de Serestas João Chaves, época em que o Grupo gravou 8 elepês: “Uma Conversa e Cinco Modinhas”, “Eterna Lembrança” (I, II e III), “Dulce Sarmento”, “Modinhas”, “Música Popular do Norte de Minas Gerais” e “Cantando Saudades”.
Idealizou e realizou a celebração do centenário da elevação da vila de Formigas à cidade de Montes Claros, em 1957, como diretor da Comissão de festejos.
Era membro da Academia Montesclarense de Letras, da Academia Municipalista de letras de Belo Horizonte da Academia de Letras de Piracicaba (SP), do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, do Instituto Genealógico Brasileiro.
Foi condecorado com a Medalha de Honra de Montes Claros, Medalha da Inconfidência, Medalha Cultural Mário Dedini (Piracicaba), Medalha Vital Brasil (MG), Medalha Vital Brasil (SP), Medalha Civitas no Sesquicentenário de Montes~Claros, diploma de Doutor Honoris Causa da Faculdade de Medicina da UNIMONTES, patrono do Centro de Educação e Cultura da Prefeitura de Montes Claros, patrono do Ambulatório da Faculdade de Medicina da UNIMONTES, da biblioteca do Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez.
Criador e primeiro presidente do Centro de Tradições Mineiras de Montes Claros. Criador do Museu da Imagem e do Som de Montes Claros.
Autores desta biografia: Virgílio e Virgínia Abreu de Paula

A BALADA DE TONY BOO-GOO-LOO
Publicado em O NORTE, em 19.06.2004

Extrovertido é pouco para Tony Boo-goo-loo, meu saudoso amigo Antônio Celso. Era muito mais que isso. Conhecia praticamente todo mundo e, se não o conhecessem, dava-se a conhecer. Sempre alegre, brincalhão, peça rara. Oriundo de Bocaiuva, surgiu em Moc-Citi num daqueles verões dos anos ditos dourados.
Hospedado num dos melhores hotéis, gastava a rodo. Nas horas-dançantes dos clubes e residências brilhava mais que todos ao exibir-se na dança da moda, o boo-goo-loo, coqueluche do momento, substituta do twist e congêneres. O conjunto de braços e pernas em ação dava ao dançarino a aparência de um desses bonecos mané-molengos. Tony foi o melhor naquilo, o campeão. Dois ou três rapazes, duas ou três moças chegavam-lhe perto - nós outros éramos simples aprendizes. Tony logo despertou invejas. Além do mais, tratava-se de um forasteiro botando banca em Moc-Citi! I-na-cei-tá-vel! - bradavam alguns dos guardiões locais.
Alto, moreno - um moreno hindu - de olhos verdes, tinha Tony os cabelos pretos levemente ondulados, mas não muito compridos para a época. As meninas caíam-lhe em cima. Mais invejas, mais ciúmes... Alguns xenófobos já planejavam dar-lhe um cacete, correr com ele da cidade.E se tal não aconteceu, suponho que muito se deveu à sua amizade com os componentes de uma das 36 bandas de rock (conjuntos) da cidade, Os Eremitas, clone dos Stones, queridos por todos (Luís Guedes-Herbert Caldeira-Titão Grego e Reinaldinho eram os componentes). Desta banda veio tornar-se Tony o empresário. Lucros não lhe importavam. Bancava tudo: bebidas, comidas, farras, instrumentos... De drogas (com exceção do lança-perfume no carnaval) e motéis ainda não se cogitava. Como sói acontecer, com tais gentilezas Tony ampliou seu já considerável círculo de amizades. Vestia-se como um príncipe, um príncipe psicodélico: calças de cetim - roxas! - boca-de-sino, botas e botinas de verniz, camisas de seda floridas, colares... Brincos ainda não se usava - era coisa de veado - e piercings e tatuagens foram invenções só posteriormente adotadas. Um velhote careta daqueles tempos, ao vê-lo assim trajado, disparou: "Esse menino é louco! Arreda, Satanás!" E quase morre de enfarte, ali, o velhote, enxugando com um lenço o rosto sanguíneo e suarento. E em Moc-City ainda não havia Prontocor...
Com três dias de namoro, Tony presenteou a eleita com uma aliança de brilhantes. Que lhe devolvida pela moça em prantos, forçada pelo pai, que esbravejara: "Onde já se viu?!" Tony não se conformava: "Que coroa desnaturado! Minhas intenções são as melhores! Estou apaixonado pela Fernanda!" O idílio não venceu aquele verão, mandada que foi a pobre garota a um internato de freiras em Pará de Minas. Anos dourados?...Tony ia vivendo, porém a bomba retardada explodiu quando a conta da joalheria bateu em Boc- Citi. Seu Antônio sequer almoçou naquele dia. Ao volante de sua Rural Willys, chegou à Moc-City por volta de uma da tarde. Sol a pino. O filho ainda dormia... Antes de mais nada, mandou fechar a conta do hotel. Horrorizou-se: dúzias de cerveja, vodkas, uísque Drury's, pacotes de cigarros - Tony não fumava! - e notas de restaurantes pagas pela gerência... Preencheu o cheque e determinou que acordassem o moleque. Dentro de meia hora - avisou - viria buscá-lo. Que estivesse pronto, de mala na mão! Acabara-se a esbórnia! Dali foi à joalheria e quitou a aliança de brilhantes.
Tony o esperava na recepção do hotel, cabisbaixo, cara de santo, arrependido...
- Bonito, hein? Muito bonito! Anda, vamos, direto pra casa, vagabundo! - esbravejou o pai.E, dirigindo-se ao gerente do hotel: - Se o aceitarem aqui novamente, que fiquem com o prejuízo!Tony estivera a matutar sobre o que poderia ter acontecido... "Só podia ser a aliança... Dera o nome do pai, endereço, telefone em Boc Citi... Há dez dias vinha enrolando o cobrador da joalheria..."
Ao entrar na Rural, disse ao pai:
- Sei que errei, velho.
- Cala a boca!
Calou.
- Pensa que sou Onassis?
- Eu ia devolver a aliança...
- Devolver?
- Sim, o pai da Fernanda mandou-a recusar o presente. Aqui está...
- Está ficando louco, Tonim?
- É o amor, pai...
- Ah, sim, o amor... pois fique sabendo que vai curá-lo no cabo da enxada!
- Mas, pai...
- Calado!

A despesa com o hotel foi momentaneamente relevada por Seu Antônio. A aliança, guardou-a ele para presentear a filha, por ocasião de seus quinze anos.Dias negros emolduravam o horizonte de Tony Boo-goo-loo. Seu sonho de estudar em Belo Horizonte fora por água abaixo, pelo menos naquele ano. Se quisesse mudar de Boc-City, disse-lhe o pai, só se fosse para um internato: Dom Bosco, Caraça...
Mas, mãe é mãe... Conseguiu do marido o abrandamento da pena. O moleque iria trabalhar com ele, sim, mas no cabo da enxada! Decorridas algumas semanas, Seu Antônio confiou ao filho o pagamento do pessoal da fazenda. Não era coisa de pouca monta. Havia os trabalhadores fixos, dois tratoristas, o pessoal do milho... E lá se foi o nosso herói, num sábado pela manhã, levando uma caixa de sapatos repleta de dinheiro. No bolso, a relação dos empregados.
Aguardavam-no, estes, sentados na mureta da varanda que circundava a sede da fazenda. Ao vê-lo, imaginaram-no portador de alguma má notícia de parte do pai. Mas logo seus rostos se iluminaram, ao sabê-lo portador do merecido pagamento. E Tony teria grande satisfação em pagar-lhes.
Abriu o escritório, tomou assento à escrivaninha como muitas vezes vira o pai fazer, mandou servir um cafezinho a todos e deu início ao procedimento.
- Seu Malaquias! - chamou.
Veio seu Malaquias rodando o chapéu nas mãos. Um fiapo de homem. Embora tivesse quarenta, mostrava sessenta anos...
- O senhor só ganha isso, Seu Malaquias? - perguntou um Tony estupefato ao consultar a lista.
- Inhô sim...
- Pois, a partir de hoje, o senhor vai ter um aumento.
- Brigado, patrãozim.
- Jurandir! Zé Anísio!...
Prosseguiu Tony com a chamada e os aumentos de salário. Ao final, o dinheiro não foi suficiente para pagar a todos... Prometeu ele, então, voltar no dia seguinte e saldar a dívida com os outros.
Nunca mais voltou.
Dizem que Seu Antônio o expulsou de casa a tiros... Verdade ou não, o fato é que Tony Boo-goo-loo escafedeu-se para a casa de um tio. A mãe mandou-lhe as roupas e algum dinheiro e o tio a passagem de trem para Belo Horizonte. Lá, a querida madrinha e tia lhe financiaria a ida para São Paulo, onde disse pretender trabalhar. A essa altura, certamente já fizera seus planos...
Na capital paulista, hospedou-se com uma senhora de Boc-Citi que ali mantinha uma pensão. No dia seguinte ao de sua chegada, pasmem!, bateu na casa de ninguém menos que o rei do Brasil. Sim, bateu na porta de Chatô, o Roberto Marinho da época.
Tocou a campanhia, veio o mordomo.
- Eu gostaria de falar com o dr. Assis Chateaubriand...
- Quem é o senhor?
- Diga-lhe que sou de Bocaiuva, Minas. Meu nome é Antônio Celso Alkimim. Sou sobrinho do Zé Maria...
Não esperou dois minutos. Foi prontamente atendido por Chatô.
- Sente-se, meu jovem, mas que prazer! Como vai o ministro?
- Dr. Chateaubriand, tenho uma coisa a lhe dizer...
- ......................................
- Realmente, sou de Bocaiuva, mas, infelizmente, não sou sobrinho do ministro José Maria Alkimim. Foi esta a única idéia que me ocorreu para poder falar com o senhor...
Sua ousadia conquistou o rei, que, pela própria trajetória de vida fizera o mesmo, ou pior.
Desconheço o que mais conversaram, porém, no dia imediato a esse colóquio, Tony Boo-goo-loo
assumiria um cargo nos Diários Associados!
Alguns anos depois reencontrei-me com Tony, na Cantina do Lucas, em Belo Horizonte, onde almoçamos. Estava impecável, metido num bem cortado terno cinza. Contou-me que de São Paulo fora para o Rio, onde trabalhava numa multinacional ligada à extração de minérios. À saída do restaurante, deu-me o seu cartão de visitas. Combinamos sair à noite, que começou na Casa dos Contos, prosseguiu na boate Sagitarius e acabou no hotel del Rey...
Nos seus anos de Rio, Tony relacionou-se com uma beldade de Boc-Citi que lhe daria uma filha. Ambas, mãe e filha, ali moravam quando a menina debutou. Do Rio, Tony encomendou a melhor festa de quinze anos já vista na região: bufê, banda, show...
Na volta para o Rio - o que nos remete a James Dean - seu Porsche conversível, vermelho, encontraria uma carreta na BR-3...

LUÍS FERNANDO TOURINHOHá pessoas que, mesmo a gente não conhecendo pessoalmente, dá para perceber que são grandes. E, se carregam o sobrenome Tourinho, então, nos enchem de orgulho. Luiz Carlos de Castro Tourinho Filho era uma destas pessoas. No dia 21 de janeiro, aos 43 anos, sofreu um aneurisma cerebral que interrompeu uma carreira promissora. Luiz Carlos iniciou sua carreira ainda na adolescência. Sua primeira aparição na televisão foi na minissérie “O Cometa” (89).Mas foi como Edilberto, o desastrado assistente de Uálber Cañedo (Diogo Vilela), em“SuaveVeneno” (99), que ele ganhou notoriedade. Conhecido entre os amigos pelo apelido “Piu Piu”,devido sua agilidade e expressão corporal, participou de programas como “Sai de Baixo” (2000),“Gente Inocente” (2001), “Xuxa no Mundo da Imaginação” (2003) e “SobNova Direção” (2004/2007). Apesar de ser um ator “global”, manteve a humildade e os vínculos com amigos e parentes. Entrou no Orkut e na comunidade da Família Tourinho, onde manifestou desejo de participar dos encontros programados. Em maio de 2005, escreveu: “Meu nome é Luiz Carlos de Castro TourinhoFilho. Sou de Niterói - RJ. Meu pai: Luiz Carlos de Castro Tourinho, é baiano de Salvador e veio para o Rio de Janeiro trabalhar. Aqui conheceu minhamãe: Edna Ilma de Araújo Tourinho e desta união nasceram eu e minha irmã: Flávia Maria de AraújoTourinho.Temos muita vontade de participar das reuniões e eventos da família, mas ainda não tivemos oportunidade para tal”. No Orkut, era assim que ele se definia: “Sou simples, trabalhador, justo, criativo, cheiroso, exigente, teimoso, surpreendente, generoso, amigo, sério e misterioso.Enfim sou uma pessoa como outra qualquer, com defeitos e qualidades”. Pois é assimque vai ficar na nossa memória. FONTE: Jornal da família Tourinho, fev-2008 > http://www.familiatourinho.com/

MÁRIO RIBEIRO - MARÃO.
ENTREVISTA À MONTES CLAROS EM FOCO, maio de 1986
"Sou socialista"A cúpula do PMDB o queria para prefeito, porém, Mário Ribeiro disse:
"O povo quer é Tadeu "
Tudo começou mais ou menos assim. Reginaldo era o mais inteligente de uma família tão intimamente ligada ao município que, por ventura , se for revista a crônica dos Ribeiro dos Santos, automaticamente estarão se passando também as páginas mais gratas e significantes da história do desenvolvimento de Montes Claros. Quando solteiro, Reginaldo perambulou por este Norte de Minas afora, foi guarda-fios dos Correios e Telégrafos de São João da Ponte e, mais tarde, gerente da primeira indústria (uma fábrica de tecidos de algodão) de Montes Claros, cujo proprietário era o seu irmão Francisco Ribeiro dos Santos, mais conhecido por cel. Chico Ribeiro — político abastado que possuía 20% das ações do único banco de Minas Gerais à época — e foi quem também idealizou e dotou Montes Claros de luz elétrica, em 1917. Pois bem, Reginaldo Ribeiro dos Santos desposou Josefina da Silveira e tiveram dois filhos. O primogênito recebeu o nome de Darcy Ribeiro e, dois anos depois, o caçula, de Mário Ribeiro da Silveira — para espanto e admiração dos padrinhos e notadamente de Josefina que, ruborizada , ouviu o marido explicar que prestava-lhe uma homenagem com aquela deferência. Esse ato tem o sabor do ineditismo, mormente em 1924 no sertão mineiro, lugar onde ainda hoje prevalece o machismo. Porém, dois meses depois, para desgosto de todos e mais ainda de sua mulher, repentinamente morre Reginaldo. Seus filhos são então separados. Darcy recebe o manto protetor do tio paterno, professor Plínio Ribeiro dos Santos, médico, deputado federal e fundador da Escola Normal — a qual leva o seu próprio nome. Mário, por sua vez, resguarda-se no carinho do avô materno, Olegário da Silveira, "dono de uma bitaca" no mercado, onde vendia fumo, farinha, arroz, feijão e cachaça. E Josefina Silveira Ribeiro, viúva com menos de 30 anos, daí em diante torna-se Mestra Fininha (que está viva* e empresta o seu nome para o trecho da avenida compreendido entre a praça da Santa Casa até a Escola Normal). A educação das crianças, portanto, foi distinta, bem como o convívio de Darcy com os Ribeiro foi muito diferente do relacionamento de Mário com esta família. Darcy teve muito cedo uma intensa vida intelectual entre os Ribeiro, mergulhava de peito aberto no universo dos livros do tio, uma biblioteca com mais de 10 mil volumes, a ponto de tornar-se um adolescente que achava que ia ser médico. No ginasial rumava para a escola com tratados de ginecologia e obstretícia, e enquanto os colegas viam "aquelas posições, vamos dizer, anatômicas", ele discorria sobre elas. "Seus contemporâneos e amigos como Mozart Caldeira, Jason Teixeira, Konstantin Kristoff, Zé Lafetá, Toninho Rebello e outros o consideravam um chato, porque ele tinha um conhecimento muito vasto e "às vezes dava quinau no próprio professor de Biologia". Darcy, no bom sentido, foi sempre um fora de época, um homem na frente". Mário, porém, convivia muito mais com o "acanhamento, a humildade da família Silveira", ali, ao redor da rua Dr. Santos, onde surgiu o Hotel São José, dando uma de engraxate e pegando malas na estação ferroviária. Dessa época, recorda do carroceiro Matias Peixoto, "grande figura humana", que era o carregador oficial, isto é, "só ele podia carrregar as malas. Então a gente pedia aos hóspedes do hotel para levar as malas e quando chegávamos à estação tínhamos de dar-lhe a metade do dinheiro, porque só Matias podia entrar e marcar o lugar da poltrona no trem". Também tinha o Zé Catulino, que levava e trazia as corrrespondências da estação para o Correio; o Aníbal, que está vivo, embora aposentado. Eles eram pessoas respeitadas, eram convidados para qualquer festa, qualquer casamento. "Naquele tempo valorizava-se mais as pessoas, a sociedade era mais igualitária. Não importava o que o sujeito fazia, importava o que ele era. O respeito era pela honestidade, pelo trabalho. Muito diferente deste capitalismo selvagem que impera na sociedade atual, onde pelo dinheiro, esperteza, desonestidade as pessoas são respeitadas. Acredita-se, hoje, que carroceiro, pedreiro é subgente. Ninguém conhece, muito menos os respeita". Contudo, as diferenças entre os Ribeiro e os Silveira, jamais serviram em momento algum para perturbar a amizade e o respeito que os irmãos devotam entre si. Tanto que Darcy era muito voltado para o folclore e gostava de acompanhar caboclinhos, marujadas e catopês. "Mamãe, muito nova, ficava aflita, sem saber o paradeiro dele. E quando Darcy chegava, ela, nervosa, queria bater-lhe e eu, franzino, entrava no meio. Se pareço ser hoje muito maior que ele, porém, na infância, Darcy era muito mais forte, um menino valente". Isso, no entanto, são reminicências de um tempo em que ter árvores frutíferas no quintal era obrigação. "A cidade era um pomar" onde a meninada se fartava o ano inteiro. Uma época em que a vida, por várias gerações, foi regida solenemente pelas badaladas do relógio do Mercado Central (construído em 1889, pelo presidente da Câmara Simeão Ribeiro dos Santos, seu avô paterno), que "a falta de respeito pelas raízes da comunidade destruiu para não ser nada. Hoje, quando se vê essa meninada doida para chupar manga, comer banana, goiaba e isso não existe — tudo importado de São Paulo — é uma tristeza. Montes Claros está ficando careca, como diz o Darcy. Mas os verões foram passando e Mário — "um moleque horroroso", pobre, sem maiores laços de convivência com os Ribeiro ,"que certamente teriam financiado minha educação num seminário" teve a dedicação da mãe que pagava o que podia e o despreendimento de dr. João Luiz de Almeida, que veio do Rio de Janeiro para fundar o Instituto Norte Mineiro de Educação — cujo lema era "quem pagava estudava, quem não pagava estudava do mesmo jeito" — e reformar os métodos de ensino nos colégios montesclarenses e dar o "passo principal para a existência da FUNM — Fundação Norte Mineira do Ensino Superior". Com a tolerância desse educador, pode assim fazer o secundário no Instituto (um casarão velho onde está o Automóvel Clube) e se encantar com a sensibilidade da mestra de didática excepcional — "a maior didata que eu conheci na minha vida" —, D. Geny Canela (esposa do poeta Cândido Canela). Não obstante as dificuldades, Mário não desperdiçou as oportunidades. Logo, logo, partiu para o curso de medicina em Belo Horizonte. Nessa época, porém, depois da Segunda Guerra, o mundo descobriu que os povos dos países socialistas foram os que mais sofreram com a Guerra. A bravura dos russos, em Leningrado, com fuzis de 1914, a se defenderem dos equipados exércitos alemães calou fundo no espírito juvenil da mocidade de então. E como não podia deixar de ser, entusiasmou, também, o jovem acadêmico Mário, despertando-o para o socialismo. Obteve, então, "como estudante uma formação marxista", amadurecendo a opinião de que o povo não podia continuar em níveis de miséria: o bolo da riqueza teria de ser dividido. Seus amigos, entretanto, discordavam desse seu sentimento e jogavam na sua cara a intimação de que, se assim era que desse o exemplo, dividisse os seus bens. No que ele argumentava ser essa uma visão simplista, pueril, que não levaria a nada, não solucionaria nada. "Seria apenas burrice, um anarquismo". Também, como repartir bens, se apenas possuía o diploma de médico quando de volta a Montes Claros e já casado com Maria Jacy Faria de Oliveira, devido à sua pobreza foram morar dois anos num quarto da casa da mãe mestra Fininha? Nessa época também foram quebradas as distâncias entre ele e os Ribeiro, acontecendo naturalmente o estreitamento familiar. Passou, então, a se ocupar de seus pacientes e administrar os negócios que o tino comercial ia descobrindo, como, por exemplo, os cinemas. Mais tarde, sem fugir à regra, adquiriu terras:sítio e fazenda, onde um projeto de irrigação contribui na produção de alimentos — tornando-se assim, agricultor. Porém, se tudo acontecia sem maiores obstáculos, a família crescendo e o patrimônio se consolidando, surge o golpe militar em 1964, produzindo consequências dolorosas no âmbito da família Ribeiro. Darcy, cassado na primeira lista divulgada pelos "revolucionários", foi obrigado a abandonar o país. Ele era chefe da Casa Civil e tinha sido também ministro da Educação no mesmo governo de João Goulart, vice-presidente eleito pelo povo (assumiu quando da renúncia de Jânio Quadros) que os militares botaram para correr. E Mário, sem quê e nem pra quê, teve de responder a diversos inquéritos policiais militares (os temidos IPMs). No entanto, além dos naturais aborrecimentos nada de mais grave aconteceu. E como a vida não pode parar, Mário parte em busca da realização do sonho de fazer brotar em pleno norte de Minas uma faculdade de medicina. Em 1969, o ideal torna-se realidade e ele, o primeiro diretor da faculdade. Todavia, quando seu nome mais se pontificava politicamente no setor educacional, sentiu "a brutalidade da revolução": foi cassado. Esse violento ato do governo militar deixou sequelas inesquecíveis. D. Jacy, sua esposa, só de relembrar esse "obscurantismo político" sente calafrios. Também, pudera, a lembrança do marido sendo retirado de madrugada, em pijamas, algemado, preso incomunicável, levando-a a um esgotamento nervoso, foi por demais chocante. Ainda por cima, teve de buscar forças sabe-se lá onde, para resistir e contornar a situação, cercada de oito filhos menores. Hoje, "graças a Deus, todos formados". "Mas isso foi perseguição local". Tinham medo de que Mário viesse a ser um líder, um deputado federal. Mesmo agora, depois de ter reconquistado os seus direitos políticos (em 1979), ingressado no PMDB e tornado vice-prefeito, não o perdoam. Por que? Ninguém sabe. No entanto, sabe-se que vai todas as tardes encontrar com os amigos e tomar "uns uisquizinhos no Quintal", levando uma vida metódica e burguesa, "embora injusta". E sabe-se ainda mais que muitos foram os filhos de Montes Claros com qualidades dignas de louvor e, por certo, muitos ainda virão, mas, sem dúvida, Mário Ribeiro da Silveira, dentro dessa constelação é estrela maior.
Agora, depois da introdução desta entrevista para MONTES CLAROS EM FOCO, fica-se sabendo também que, ao pegar um avião, ao registrar-se num hotel, em todas as escritas nacionais e internacionais ele assina Silveira e, de imediato, lembra da atitude magnânima de seu pai para com sua mãe, quando do seu nascimento.

MONTES CLAROS EM FOCO – Os nomes mais expressivos do PMDB local em 1982 batiam pela sua candidatura, inclusive o próprio Tancredo Neves manifestou-se nesse sentido. Por que, então, o senhor abriu mão a favor de Luiz Tadeu Leite, tornando-se o seu vice?
MÁRIO RIBEIRO - Bem, Jcsé da Conceição, Genival Tourinho, Moacir Lopes, Pedro Narciso e Tancredo Neves — que realmente telefonou para uma casa de praia que tenho em Prado, Bahia —, achavam que eu, por ser um homem mais experiente, um médico bem sucedido, conhecido de todos, com livre acesso a todas as camadas sociais, tendo sido cassado pela ditadura e ainda podendo contar com a simpatia da aristocracia e burguesia locais, teria maiores chances do que Tadeu, que era jovem e inexperiente. Assim pensavam e eu discordava. Por uma razão muito simples: quem havia trabalhado mais e consequentemente se tornara o mais forte era o Tadeu. E mais: quem ia decidir era o povão, como realmente aconteceu. Também pesou a determinação de Tadeu que chegou para mim e falou claro: "Tudo bem, padrinho, perfeitamente, você pode candidatar mas eu não serei vice". Como eu sabia de que perderia se me candidatasse e também como queria ajudá-lo porque o acho bom, sério, aceitei ser o vice.
MOC EM FOCO - Sabe-se também que a aristocracia e a burguesia municipal pressionaram o senhor para não dar o aval político ao Tadeu. RIBEIRO - Olha, a aristocracia e a burguesia são muito ladinas. Elas tinham certeza da minha. provável derrota se fosse candidato, mas que tomaria muitos votos do Moacir (que inclusive já havia lançado a sua candidatura) e do Tadeu, enfraquecendo-os, tornando, assim, maiores as chances dos candidatos do PDS. Se bem que abertas as urnas constatou-se de que Tadeu ganharia de qualquer jeito. Com Mário ou sem Mário. Antes, porém, chegaram a me oferecer dinheiro para a campanha, me fustigavam. "É um absurdo você admitir ser o vice. Tadeu ser o seu vice ainda vai, mas você, Mário!" Como eu continuava a dizer não, mudaram de música: "Então você não se candidata, não fica com ninguém". Respondia: "Mas, gente, ele é meu afilhado, tenho consideração por ele, e o bairro quer é ele". Contra atacavam: "Mas se ele nunca fez nada, nunca teve um botequim, como é que vai administrar uma cidade como Montes Claros"? Vinha assim, à tona, o preconceito. Não gostavam do Tadeu por causa do seu pouco lastro econômico. Mas ele é um rapaz brilhante, uai! Era professor nas faculdades de Direito e Administração, vereador por duas vezes consecutivas, presidente da Câmara, líder do PMDB. Ora, poucas famílias tem um jovem da dignidade de Tadeu.
MOC EM FOCO — Pelo menos parecia que o PDS ganharia em Montes Claros, tanto que o ex-governador Francelino Pereira acreditava assegurar nesta cidade uma vitória com 30 mil votos. Em algum momento o senhor chegou a pensar que havia embarcado em canoa furada? RIBEIRO - Não. Sabia que ia ser parada dura, difícil. Tadeu foi impedido de entrar em diversas fábricas, enquanto os portões eram abertos para os candidatos do PDS. No entanto, a convicção de Tadeu nos animava. Só para se ter idéia desse estado de espírito, antes do início da campanha fomos tirar fotos com o Tancredo, e o Tancredo pôs a mão no ombro de Tadeu e disse: "Ah, menino , muito bem, jovem, você vai nos ajudar lá ,né? Ajudar a eleger o Moacir...".Tadeu empurrou Tancredo: "Não senhor, estou aqui porque estou convicto de que serei o prefeito! Não vou ajudar ninguém, não! Vou ajudar o senhor a ser governador, mas quem vai ser eleito prefeito sou eu!" Passei então a ter mais respeito por ele. E no dia-a-dia da campanha, com a acolhida! que o povo nos dava, sentia que venceríamos. E vencemos com mais votos que todos os outros candidatos somados, foi maioria absoluta. Coisa inédita. Dizem que o Francelino engasgou-se com o resultado das urnas em Montes Claros.
MOC EM FOCO — Durante a campanha o PMDB propugnava uma virada, até que ponto isto ocorreu? RIBEIRO - Montes Claros vive um momento de transformação. Não temos um governo como os anteriores. Todos os prefeitos da minha geração para cá eram figuras absolutas - sem qualquer estrutura. Não tinham preocupação em ter secretários. Secretário era apêndice para obedecer ordens. A imagem do governo era a imagem de cada um deles. Ninguém fazia nada não fosse o que Semeão Ribeiro, Pedro Santos, Moacir Lopes e o Toninho Rebello quisessem. Hoje, não. Montamos uma estrutura onde o prefeito é o executor, é o representante da nossa política. Mas cada secretário delibera, barganha. Tadeu praticamente não é senhor absoluto de nada. Nem ele nem eu podemos dar solução em nada sem ouvir o secretariado e a Câmara. Isto acabou com a estupidez do centralismo na prefeitura de Montes Claros - cópia piorada do que acontecia em Brasília, onde se mexia, mexia e tudo dependia de Figueiredo. Hoje temos um governo de colegiado.
MOC EM FOCO - Então a virada consiste apenas na delegação de poderes? RIBEIRO - A rigor, a virada começou com o apoio do povão. A maioria das, classes A e B estava com o grupo do PDS, liderado por Toninho. E uma parte delas com o Moacir. Quem despejou os votos em nós foi a classe C, o povão, que é a maioria da população de Montes Claros. Portanto, o nosso governo tem prioridade amplamente social voltada para essa massa carente. E não podia deixar de ser assim. Para isso montamos uma infraestrutura hábil. Um secretariado a partir de um núcleo genuinamente voltado para os anseios populares, inclusive esse é outro aspecto da virada. Quando Tadeu falava que ia trabalhar com as melhores cabeças, pensavam que iria distinguir os filhos das melhores famílias da cidade. Como isso não aconteceu, sendo a maioria dos secretários de não montesclarenses e ainda desconhecidos da aristocracia e da burguesia, ficaram abismados. Que a cidade fora invadida; que íamos fazer coisas para destruir Montes Claros. Ora, não íamos pegar um sujeito só porque ele nasceu em Montes Claros, é filho de fazendeiro, e por isso vai ter mais privilégio que os outros. Não. Pegamos gente de fora com formação tão técnica quanto política e social. Renovamos. O que nós queremos não é destruir, é fazer uma nova Montes Claros voltada para os interesses populares. Isso não quer dizer que iríamos perseguir alguém, pois se assim fosse eu não estaria fazendo parte do governo. Agora, quem cuida dos interesses populares é quem realmente tem sensibilidade política a favor do povão. São eles, os nossos secretários.
MOC EM FOCO - Pois bem, mudanças estruturais quase sempre provocam resistências. A prática dessa delegação de poderes, ou melhor, dessa descentralização na prefeitura tem provado o acerto da teoria? RIBEIRO - A estrutura que montamos realmente assustou. Porque o processo de mudança não se baseou tanto em aspectos técnicos, sim no político. Houve mudança de procedimento, de comportamento face aos objetivos a serem atingidos. Isto, evidentemente , provoca alguma resistência do funcionário público. Não muito porque assim ele o quer. Mas, veja bem, frente a falta de estrutura da prefeitura, ele foi adquirindo uma consciência errada, tornando-se moroso, emperrado, desmotivado e, às vezes, relapso quanto à sua responsabilidade no trato da coisa pública. Culpa também do centralismo que não o deixava participar do que estava acontecendo. Praticamos então modificações administrativas que têm irecionado a consciência de todos nós para o que é certo. Hoje, a sensível melhora da qualidade operacional dos funcionários da prefeitura é sentida por todos da comunidade.
MOC EM FOCO - É por isso então que a chamada "Administração Mutirão" é alvo de sistemática oposição desde o seu início? RIBEIRO - Não do povo, este não nos tem faltado com o apoio necessário. É claro que no início dos trabalhos ficamos um interregno sem mostrar resultados, nada. Isso provocou muita incompreensão. A comunidade achava que estávamos dormindo, que íamos piorar as coisas. Estávamos era nos organizando, montando uma máquina eficiente que, hoje, é um fato. O povo nunca é contra a melhoria das coisas. Já esse negócio de oposição sistemática tem outro caráter. Tanto que ficou bem patenteado já na primeira vez que substituí Tadeu, por 45 dias. Nessa época, eu realmente abri a Prefeitura, dei certas idéas que Tadeu está seguindo. Mas a onda que fizeram foi errônea.Houve uma sincronização, uma orquestra a dizer que fui isso, fui aquilo, fui formidável. No entanto eu calculo em 20% o que fiz, os outros 80% foram para atingir Tadeu.
Nessa altura da minha vida, já como um homem experiente, um gato escaldado, notei que — apesar de ter recebido daqui e de fora sinceros elogios — a maioria desse pessoal me elogiava não por causa dos meus belos olhos, era para envenenar meu relacionamento com Tadeu, criar atritos. A aristocracia não perdoa o Tadeu, e não o perdoa porque ele quebrou as estruturas.
MOC EM FOCO - Como assim, que estruturas?
RIBEIRO - Se o Tadeu fosse meu filho - e olha que tenho fihos da idade dele - ou um dos filhos dos Corrêa Machado, dos Lafetá Rebello, dos Athayde, dos Dias etc., a reação seria outra. Talvez não xingassem tanto, porque estes têm uma estrutura econômico-financeira e social independente. Estes sempre tem alguém pronto para os defender. Mãe pobre, um açougueiro que num momento de fúria assassinou-a, criado por duas tias — minhas queridas Gessé e Lina - com todas as dificuldades. Não fosse a Igreja — o seminário dos padres de branco — que lhe desse a educação, ele não teria nada. Quando terminou o seminário menor, aos 18 anos, eu arranjei o seu primeiro emprego na ZYD-7 (hoje, Rádio Sociedade). Elias Siufi, o então diretor da rádio ligou-me e disse: Uai, Mário, isso aqui é rádio e o menino é gago!" Então eu disse: "Calma, moço, ele sabe redigir e bater à máquina, coisa que o povo do rádio não sabe fazer". Com três meses ele já estava falando. Agora, falar de Tadeu é muito fácil porque ele não tem uma família, uma pessoa, ninguém para o defender. Não tem o que se chama de "vis apego" (o que vem de trás), o que, por exemplo a família Ribeiro me dá. O que não perdoam é isso. Acharam um absurdo que fosse o Tadeu Leite, e não os filhos da burguesia o prefeito de Montes Claros. Aqui ainda tem disso, precisamos acabar com isso.
MOC EM FOCO - Já contra o senhor utilizam a "pecha" de comunista.
RIBEIRO — Pois é, realmente tive formação marxista quando estudante. Na juventude tive simpatias, mas tudo não passou de uma esperança. Hoje o comunismo é uma coisa absolutamente vencida e superada em princípio. Não se pode tirar nunca do indivíduo o egoísmo, a possibilidade de ganhar mais. Um sapateiro que faz dois pares de sapato e ganha o mesmo salário que um outro que faz um, daqui a pouco estará fazendo meio. Somente o ganhar mais estimula ao trabalho, e isso é uma ideia válida. Acabar com a propriedade privada é um erro..Dizer que os meios de produção têm de ser da classe operária é balela. Foi uma grande idéia, uma grande revolução, isso é primário, mas, hoje, não. Também o comunismo não é pior do que o capitalismo. Os Estados Unidos têm dinheiro para sustentar o mundo inteiro e
lá tem desemprego, tem pobreza, tem fome, é um absurdo. E a coisa mais execrável do mundo é o capitalismo selvagem — como é o nosso — num país subdesenvolvido como o Brasil. O rico aqui é rico mesmo, o pobre é miserável. Eu apenas denuncio as injustiças sociais, talvez seja por isso que acham que sou comunista. Mas quem olhar para a minha vida e falar que sou comunista é muito burro. Qualquer pessoa, qualquer analista político, vai logo perguntar: "Mas que diabo de comunista ele é, com cinema, ganha dinheiro. Tem fazenda, tem sítio etc., etc. Isso não é nada de comunista". No entanto, para sermos socialistas devemos lutar, nunca para acabar com a propriedade privada. Eu sou mais sensível, faço uma medicina social organizada. Um terço da minha clientela atendo de graça. O meu consultório é aberto para o povão. Nunca neguei uma consulta a ninguém.
MOC EM FOCO - Sem querer fazer dialética - mesmo porque isso não cabe aqui -, fora do comunismo e do capitalismo qual o caminho então para o senhor?
RIBEIRO — Socialismo com liberdade. É o regime da França, Alemanha Ocidental — não a Oriental, que é comunista. Isso, sim. Acreditamos no Brasil através de um socialismo com erudição. E para ser socialista nós devemos lutar, nunca para acabar com a propriedade privada. O homem só luta, só se defende se ele puder ganhar mais. Ninguém acredita mais que um sujeito vá levantar de madrugada - mormente num clima nevado como tem na Rússia — se a vaca pariu e o bezerro pode morrer. Se for dele o bezerro, ele levanta e vai socorrê-lo. Mas se for do Estado, ele deixa-o morrer. Por causa disso a Rússia está modificando toda a sua escala de economia. Mesmo a China, que diziam ter um comunismo mais ortodoxo, está dando uma abertura para a cultura americana. Também não se pode deixar latifúndios, terras imensas como no Brasil. Não existe isso nos países ocidentais desenvolvidos. O que nós queremos é socialismo com liberdade, com mandatos renováveis de 4 em 4 anos em eleições diretas.
MOC EM FOCO - Por certo as esperanças estavam depositadas em Tancredo Neves, seja como governador de Minas, seja como presidente da República. Mas ele morreu. E José Sarney assumiu os destinos do pais. Até que ponto essa mudança tem afetado a administração Mutirão? RIBEIRO - Sarney era um homem do PDS, ligado ao regime antigo. No entanto, tem feito um governo patriótico, com sentido de brasilidade acima das expectativas. Esperava-se menos do que ele tem dado. É certo que os recursos estão vindo com timidez, mas estão vindo. A verba, por exemplo, para a Educação foi multiplicada por dez e, praticamente não temos alunos sem escola. Mesmo as universidades — e a nossa não é federal — têm recebido recursos nunca vistos. A Previdência Social, que estava quebrada, desmoralizada, está saldada, quitada, sem dever a ninguém. Realmente temos sentido a preocupação de Sarney para as coisas que Tancredo prometeu. Só lamento a espécie da proposta de reforma agrária que se propõe, aliás, pior do que a da Revolução e que só agora se inicia. Contudo, essa reforma da economia, por exemplo, por si só é um ato de grandeza do governo dele, que apenas completou um ano.
MOC EM FOCO - O senhor é vice-prefeito de um governo que também completou 3 anos em janeiro último. Que consideração faz a respeito?
RIBEIRO - Quando Tadeu - professor universitário e advogado - assumiu as finanças do município do tamanho e com os problemas de Montes Claros, dizeram que ia atrasar salário de professora, que não ia fazer obras, que não tinha condição de ser prefeito. Mas ele suplantou todas as suas insuficiências e realmente é outra pessoa que a de 3 anos atrás. Hoje tem o respeito unânime de toda a classe política, que reconhece mesmo que ele é a grande vocação política surgida na região. E, na boca do povo, é a melhor administração que já se viu.
Mário Ribeiro foi eleito prefeito de Montes Claros em 1988. Depois, ainda durante o mandato, romperia com Luís Tadeu Leite.

WALMOR DE PAULA

Oração
Meu Bom Deus,
Lembrei-me hoje de Vosso Povo, de quantos prodígios fizestes para o livrar da escravidão, da opressão e do obscurantismo do Egito através de vossos servos Moisés e Aarão, de como conduzistes esse povo através do mar e da areia, oferecendo-lhe água brotada da rocha e pão caído do céu, como o defendestes de seus inimigos com o Vosso poderoso braço, como iluminastes os Vossos servos com as luzes da Lei talhada em tábuas de pedra. E como, mesmo assim, fostes renegado pelo medo, a infidelidade, os pecados desse mesmo povo de tão pequena fé, condenado então a vaguear quarenta anos pelo deserto.
Deus, dentro de poucos meses completarei 39 anos. Não posso dizer que Vos venho buscando desde que nasci. Na verdade, eu sei, sois Vós que me buscais com insistência. Para livrar-me de todo tipo de escravidão, de opressão, de obscurantismo, para abrir-me os caminhos dos mares ou das areias que se ofereçam como obstáculo em minha jornada até Vós. Para confundir meus inimigos e iluminar meu coração com Vossa Lei talhada nas tábuas de meu peito - que, entretanto, também parece feito de pedra.
Só mais um pouco de tempo e eu já terei 39 anos... Não permitais, meu Deus, que eu permaneça, como Vosso povo, infiel, quarenta anos errando pelo deserto, quando já sei, por Vossa boca, de que da rocha brota a água-viva da Salvação Perpétua, de que do céu desce até nós o Pão Santo da Vida Eterna.
Amém.
João Walmor de Paula
05-03-83
Meu querido e PRESENTE amigo Walmor, que falta nos faz! Cultura, sensibilidade em todos os sentidos, porosidade humana, profunda e arraigada consciência de estar 'aqui'. Herdaste e viveste Montes Claros, como médico, seresteiro, poeta, escritor... Sim, mas fostes cidadão do Mundo. Repouse em paz, inesquecível amigo, no Poço da Cultura, o teu lugar.