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26.11.08

CACHAÇA POUCA É BOBAGEM!!!

Luiz Milton
Oi Nen ! Preciso de sua ajuda nesta empreitada que passo a relatar. Afinal estamos vivos graças a você!
Tínhamos por costume irmos à fazenda do seu pai aos sábados, sempre uma turma grande, só para tomar cachaça. Neste dia em que aconteceu o causo, quando chegamos fomos direto para o alambique. Estava funcionando. O cheiro era uma delícia: cana, melado, cachaça e terra!
- Cheiro de terra! Você se lembra como era gostoso?
Mas daí pegamos o barrilete (como surgiu? Era seu, Nen?) de cinco litros (?) e o enchemos com a pinga que estava começando a ser decantada. Cabeceira.
- Pinga de cabeceira... Forte e ruim! Entretanto, nada que quinze anos de idade não resolvessem. Agora, venha cá e me conte: por que a gente chamava o barrilzinho de "bocetinha"?
Eu não me lembro, Nen, qual era o nome daquele córrego que passava dentro da Fazenda do Pequi, mas era para lá que a gente ia tentar esvaziar o barrilete. Meu Deus! Bebíamos cachaça de canudinho. Nada de plástico: pegávamos talos de capim Jaraguá e olha aí como se deve beber!
- Nen, de onde veio a idéia de que beber com canudinho a gente ficava de fogo mais rápido? Tinha esta história!
Íamos para onde o riachim ou corguim - todos os dois nomes são lindos - fazia uma pequena curva e era um pouco mais fundo. Mas nada que ultrapassasse o umbigo da gente. Também, né, nada de se afogar. Só no barrilete. Olha Nen, lembrei–me agora de um trem que revela a nossa grande criatividade: fecundar a Terra! A Velha Gaia possuída por montesclarenses! Tinha que ser! No poço onde refrescávamos entre uma e outra chupada (epa!) no barilete havia uma margem, pequena, de argila muito macia. Tinha gente que abria um buraco com o dedo no barro, punha um pouco de água e mandava brasa! E dizia que gozava!!!
- Nen, nós só bebíamos e pelo que me lembro não levávamos nada para comer! É verdade? Contudo, o que eu quero recordar junto com você é a respeito da última vez que fomos lá ao Pequi nestas cachaçadas. Creio que éramos uns oito. Peço sua ajuda neste momento para lembrar dos sobreviventes.
- Veja, Nen: Picolino, José Eymard, Ruy do Bongô, Rui Barbosa, Crioulo, também conhecido pela alcunha de Tinin, Luiz Carlos Alemão e mais gente. Julhão estava? Acho que não. Julhão, meu primo, o maior jogador de porrinha que conheci! Nem, ele sabia todas as letras das músicas de Noel Rosa e achava que a mais bonita estrofe dele era "... Luto preto é vaidade neste funeral de amor, o meu luto é a saudade e saudade não tem cor".
Mas o fato que quero relatar foi o seguinte e você se lembra, né? Era um sábado, como todos ao outros. Barrilete, canudo de capim Jaraguá, cachaça de Seu Flávio, mês de agosto, trinta graus ou mais, cerca de quatro horas da tarde. De onde surgiu a espingarda? Aliás, espingarda, não, uma Flaubert 2t2t!!!
- De quem era, Nen? De João Reduzido?
Nós íamos e voltávamos a pé lá do Pequi. Era perto, todos tínhamos fígados, estômagos e músculos robustos que nos fazia resistir a estas estadas junto a um alambique um dia inteiro. Nen, você se lembra do mês de agosto em Montes Claros? Calor, secura e um céu de anil maravilhoso! O horizonte, como era lindo! Mas vamos voltar para o causo.
- A Flaubert tinha um pente de cinco ou sete balas. Acho que era um carregador de sete balas, né não?
No caminho de volta da fazenda de seu pai - Véio Flávio, como você dizia - para Montes Claros, em certo trecho em declive da estrada de terra havia um corte no terreno de cerca de uns quatro metros de altura. No chão, com a falta de chuva naquela época do ano, formava-se uma camada de poeira – o famoso Pó da Terra – de mais de um palmo. Vínhamos todos caminhando adiante e você, não sei por que, mais afastado, uns trinta metros mais ou menos. A espingarda, digo, a Flaubert - dê-se ao respeito! - dependurada no ombro.
- Nen, o quê aconteceu? Foi o sol na moleira? Convenhamos que cinco litros de pinga para este bando de gente não era muito. Bem, os milicos já tinham tomado o poder, quem sabe não possa ter sido por aí. Todavia eu acredito que não: para mim foi cachaça mesmo!
-Tudo que eu falei acima e do que vou relatar neste final é só para dizer que se estou vivo, bem como os outros companheiros de jornada, foi por obra de algum Santo com pendor para proteger quem gostava de uma farra. Aliás, Santo com muito prestígio junto aos altos escalões celestes, por que o acontecido não foi brincadeira e haja milagre! Como disse, vínhamos caminhando com aquela pachorra de fim de muita cachaça, sob um sol abrasante e se bem me lembro, uma fome torturante, quando ouvimos um grito:
- TOMADA DA PASTILHA!!!!!!!
-Meu Deus, era você Nen, descendo ladeira a baixo, atirando e gritando "TOMADA DA PASTILHA!" Quando eu ouvi o primeiro tiro, estava de costas para você, pensei " engraçado, trovão, mas não chove nesta época do ano em Montes Claros". O segundo sibilou ao meu lado e foi um susto só. Tentei subir no paredão junto com alguém que estava ao meu lado. Nada feito, era muito íngreme. Nisto, com a movimentação das pessoas, a poeira já tinha subido e não se enxergava mais nada. Só os tiros da Flaubert e você berrando "TOMADA DA PASTILHA"! Eu pulei para o chão, entre a estrada e o paredão e lá fiquei engolindo poeira até as balas da Flaubert acabarem.
- Tomada da PASTILHA! Quê diabo de troca de nomes foi esta?
-Até hoje eu imagino o que teria acontecido se você fosse bom de tiro. Acho que aquele Santo a que me referi acima trabalhou bem mesmo. Sete balas, oito pessoas e um trecho estrada sem ter como sair dele...
Engraçado, quando a poeira assentou, todos morremos de rir! Ninguém reclamou, recriminou ou disse que iria te acertar depois... tudo muito atrapalhado! Hoje, Nem, quando penso nesta história fico imaginando: Deus protege mesmo os bêbados e seus seguidores!
- Ô Cara, estou recordando de uma outra história sua que envolveu uma pistola. Lembra-se daquela chácara que eu tinha perto de Formosa? Uma vez quando você lá esteve, passou dia inteiro com uma pastinha debaixo do braço, bebia com a pastinha na mão, comia com a pastinha junto a você. Bem, as placas de sinalização do trânsito descobriram afinal o que tinha dentro da pastinha. Mas vamos deixar esta história para outro dia, tá bom?