GOVERNO BUSH PROPÕE MAIOR CONTROLE DO SETOR FINANCEIRO
SÉRGIO DÁVILA
Folha de S. Paulo
1/4/2008
Propostas devem levar anos para serem implementadas, admite o Tesouro Entre as medidas, estão maior fiscalização bancária e uma espécie de "polícia financeira" para investigar instituições em risco
Na tentativa de conter a crise da economia dos EUA, o governo americano lançou a maior proposta de reforma do mercado financeiro do país desde a Grande Depressão, iniciada em 1929. As medidas anunciadas pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson Jr., incluem o fortalecimento do papel do Federal Reserve (banco central americano) e uma regulação maior de determinados setores da economia.
Na maior proposta de reforma do mercado financeiro americano desde a Grande Depressão, iniciada em 1929, o secretário do Tesouro de George W. Bush anunciou os principais pontos de seu plano ontem.Entre eles, está o fortalecimento do papel do Fed, o banco central americano, e uma maior regulação de setores da economia do país que até então gozavam de grande liberdade.Pelo apresentado na manhã de ontem em Washington pelo secretário Henry Paulson Jr., o Fed ganha poderes para regular também outras áreas financeiras que não só bancos comerciais, como bancos de investimento e financeiras. Além disso, o órgão presidido por Ben Bernanke contaria com uma espécie de "polícia financeira" -agentes de elite que seriam enviados a investigar bancos cuja situação possa representar riscos ao sistema financeiro.É uma resposta às críticas de analistas e economistas de que a principal autoridade monetária dos EUA tem um arsenal limitado de armas -fixação de taxas de juros, injeção maior ou menor de dinheiro no mercado- para atacar crises de um mundo financeiro cada vez mais complexo e opaco.Já a criação do grupo de agentes serviria para evitar que casos como o que levou à venda do Bear Stearns sejam debelados antes de gerar pânico.Mas o próprio Paulson, ex-dirigente de um desses bancos, o Goldman Sachs, admite que a implantação das mudanças deve levar anos. E terão enormes dificuldades no Congresso.De acordo com o plano, ganham maior vigilância as agências imobiliárias, que estão no ponto zero da crise, iniciada nos financiamentos de imóveis a clientes de alto risco. A idéia é unificar sob uma comissão do governo federal a ser criada o mar de leis e regulamentos do setor, hoje sob jurisdição de cada um dos 50 Estados, muitas vezes conflitantes e pouco claros. E o setor de seguros ganharia uma seção específica no Tesouro.Por fim, entre os pontos principais apresentados num cartapácio de 212 páginas por Paulson na manhã de ontem, estão a fusão da SEC (Securities and Exchange Commission), a equivalente americana da brasileira CVM (Comissão de Valores Imobiliários), à Comissão de Negociação Futura de Commodities.Neófito em Washington, aonde chegou após três décadas em Wall Street, o secretário afirmou que ele e seus colegas trabalham no projeto há meses e que não se tratava de uma reação à crise: "Nossa estrutura regulatória atual não foi feita para lidar com o sistema financeiro moderno. Grande parte foi feita após a Grande Depressão, como reação -um padrão de criar regras como resposta a inovações mercadológicas ou ao estresse do mercado."Propostas são recebidas com ceticismo
Um plano criado pelo secretário de um presidente impopular que tem menos de dez meses restantes no poder, herdou o país com superávit de seu antecessor democrata e, depois de duas guerras, entregará uma economia em crise ao seu sucessor. Além disso, que terá de ser negociado ponto a ponto e aprovado por um Congresso comandado pela oposição.Assim parte do mundo político norte-americano encarou a ousada proposta de Henry Paulson Jr., feita ontem -mesmo levando em conta que um dos pilares do Plano Paulson é uma maior interferência do governo na economia, pelo menos nas agências imobiliárias e instituições de seguros, velhas reivindicações da oposição.Uma das primeiras a se manifestar foi a senadora Hillary Clinton, que disputa com Barack Obama a indicação de seu partido à sucessão de Bush. "Embora eu veja qualidades e até concorde com algumas recomendações, acho que o governo republicano é muito lento para agir", disse a ex-primeira-dama. Para ela, ainda é grande a distância entre o que a equipe econômica de Bush propõe e o que o país necessita.Já Barack Obama foi irônico. "George Bush finalmente percebeu que talvez nós precisemos ter algum controle sobre os mercados financeiros", afirmou o senador por Illinois. "Mas ele não está endurecendo as regulações, não está impedindo o empréstimo predatório que é responsável por vários desses problemas."De maneira geral, os democratas defendem uma ajuda estatal maior aos endividados pela chamada crise do "subprime", que atingiria cerca de 4 milhões de lares. O plano de Paulson não lida diretamente com o assunto, embora ganhe fôlego em ambos os partidos do Congresso nos últimos dias um pacote feito especificamente para aliviar essa fatia.John McCain, o candidato republicano, reagiu à proposta do governo Bush como vem fazendo nas últimas semanas em relação a outros tópicos emanados da Casa Branca atual -com uma distância diplomática e sem se comprometer. De acordo com o divulgado por sua assessoria, ainda estudaria o pacote para se pronunciar. Mas acha bom que os empréstimos temporários feitos pelo Fed para levar liquidez ao mercado sejam acompanhados de "transparência adicional".Foi o suficiente para que Hillary o criticasse. "Não podemos permitir a política atual de "esperar e não ver" ou a política do senador McCain, de sentar em suas mãos", disse. O republicano declarou anteriormente não ser um "expert" em economia e que provavelmente teria de se aplicar mais ao assunto ao longo da campanha.Fogo semelhante, embora mais ameno, veio do Congresso. "Falar de recolocar na rota o sistema regulatório é uma idéia maravilhosa", disse o democrata Chris Dodd, presidente do comitê de finanças do Senado, que em última instância será o interlocutor de Paulson na Casa. "Mas, francamente, [o plano] não lida com as questões com as quais nós estamos nos debatendo."É o que acha também a presidente do Congresso, Nancy Pelosi, para quem o plano "é um passo na direção certa". "Mas nós precisamos ir mais fundo, dar passos agora para ajudar famílias que estão sofrendo", afirmou. A reação fez com que o economista Lou Candrall, da investidora Wrightson Icap, de Jersey City, em Nova Jersey, previsse uma disputa longa: "Não digo cinco ou seis anos, mas será uma boa discussão".Antecipando-se às críticas, o próprio Paulson disse que a sua era uma proposta para o futuro. "Esse projeto lida com questões complexas e de longo prazo que não deveriam ser decididas no meio de situações de estresse nem ser implementadas de forma a adicionar ônus a um mercado já sob pressão", afirmou. "Essas idéias requerem uma discussão cuidadosa e não serão decididas neste mês ou mesmo neste ano."Suas palavras encontraram eco na porta-voz da Casa Branca. "É uma tentativa ambiciosa, mas o presidente não foge de grandes desafios", defendeu Dana Perino. Para ela, "o secretário Paulson vem trabalhando nesse pacote por quase um ano, então não é como se ele tivesse tirado um coelho da cartola". Sobre a negociação com o Legislativo, Perino disse que "membros do Congresso terão muito a oferecer".O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, avaliou a proposta como "equilibrada e bem pensada para modernizar o sistema financeiro". "A estrutura regulatória confusa e duplicada de nosso país se converteu num problema cada vez maior para a nossa competitividade."Em Wall Street, a proposta de regulação dos bancos de investimento foi criticada por reduzir a possibilidade de alavancagem dos resultados.Bancos de investimento como Goldman Sachs e Morgan Stanley, que não são monitorados pelo Fed, têm conseguido aumentos consideráveis em seus balanços.Um banqueiro de Wall Street ponderou que, se o regulador impuser regras de bancos comerciais para os de investimento, seu modelo de negócios será seriamente afetado.
SÉRGIO DÁVILA
Folha de S. Paulo
1/4/2008
Propostas devem levar anos para serem implementadas, admite o Tesouro Entre as medidas, estão maior fiscalização bancária e uma espécie de "polícia financeira" para investigar instituições em risco
Na tentativa de conter a crise da economia dos EUA, o governo americano lançou a maior proposta de reforma do mercado financeiro do país desde a Grande Depressão, iniciada em 1929. As medidas anunciadas pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson Jr., incluem o fortalecimento do papel do Federal Reserve (banco central americano) e uma regulação maior de determinados setores da economia.
Na maior proposta de reforma do mercado financeiro americano desde a Grande Depressão, iniciada em 1929, o secretário do Tesouro de George W. Bush anunciou os principais pontos de seu plano ontem.Entre eles, está o fortalecimento do papel do Fed, o banco central americano, e uma maior regulação de setores da economia do país que até então gozavam de grande liberdade.Pelo apresentado na manhã de ontem em Washington pelo secretário Henry Paulson Jr., o Fed ganha poderes para regular também outras áreas financeiras que não só bancos comerciais, como bancos de investimento e financeiras. Além disso, o órgão presidido por Ben Bernanke contaria com uma espécie de "polícia financeira" -agentes de elite que seriam enviados a investigar bancos cuja situação possa representar riscos ao sistema financeiro.É uma resposta às críticas de analistas e economistas de que a principal autoridade monetária dos EUA tem um arsenal limitado de armas -fixação de taxas de juros, injeção maior ou menor de dinheiro no mercado- para atacar crises de um mundo financeiro cada vez mais complexo e opaco.Já a criação do grupo de agentes serviria para evitar que casos como o que levou à venda do Bear Stearns sejam debelados antes de gerar pânico.Mas o próprio Paulson, ex-dirigente de um desses bancos, o Goldman Sachs, admite que a implantação das mudanças deve levar anos. E terão enormes dificuldades no Congresso.De acordo com o plano, ganham maior vigilância as agências imobiliárias, que estão no ponto zero da crise, iniciada nos financiamentos de imóveis a clientes de alto risco. A idéia é unificar sob uma comissão do governo federal a ser criada o mar de leis e regulamentos do setor, hoje sob jurisdição de cada um dos 50 Estados, muitas vezes conflitantes e pouco claros. E o setor de seguros ganharia uma seção específica no Tesouro.Por fim, entre os pontos principais apresentados num cartapácio de 212 páginas por Paulson na manhã de ontem, estão a fusão da SEC (Securities and Exchange Commission), a equivalente americana da brasileira CVM (Comissão de Valores Imobiliários), à Comissão de Negociação Futura de Commodities.Neófito em Washington, aonde chegou após três décadas em Wall Street, o secretário afirmou que ele e seus colegas trabalham no projeto há meses e que não se tratava de uma reação à crise: "Nossa estrutura regulatória atual não foi feita para lidar com o sistema financeiro moderno. Grande parte foi feita após a Grande Depressão, como reação -um padrão de criar regras como resposta a inovações mercadológicas ou ao estresse do mercado."Propostas são recebidas com ceticismo
Um plano criado pelo secretário de um presidente impopular que tem menos de dez meses restantes no poder, herdou o país com superávit de seu antecessor democrata e, depois de duas guerras, entregará uma economia em crise ao seu sucessor. Além disso, que terá de ser negociado ponto a ponto e aprovado por um Congresso comandado pela oposição.Assim parte do mundo político norte-americano encarou a ousada proposta de Henry Paulson Jr., feita ontem -mesmo levando em conta que um dos pilares do Plano Paulson é uma maior interferência do governo na economia, pelo menos nas agências imobiliárias e instituições de seguros, velhas reivindicações da oposição.Uma das primeiras a se manifestar foi a senadora Hillary Clinton, que disputa com Barack Obama a indicação de seu partido à sucessão de Bush. "Embora eu veja qualidades e até concorde com algumas recomendações, acho que o governo republicano é muito lento para agir", disse a ex-primeira-dama. Para ela, ainda é grande a distância entre o que a equipe econômica de Bush propõe e o que o país necessita.Já Barack Obama foi irônico. "George Bush finalmente percebeu que talvez nós precisemos ter algum controle sobre os mercados financeiros", afirmou o senador por Illinois. "Mas ele não está endurecendo as regulações, não está impedindo o empréstimo predatório que é responsável por vários desses problemas."De maneira geral, os democratas defendem uma ajuda estatal maior aos endividados pela chamada crise do "subprime", que atingiria cerca de 4 milhões de lares. O plano de Paulson não lida diretamente com o assunto, embora ganhe fôlego em ambos os partidos do Congresso nos últimos dias um pacote feito especificamente para aliviar essa fatia.John McCain, o candidato republicano, reagiu à proposta do governo Bush como vem fazendo nas últimas semanas em relação a outros tópicos emanados da Casa Branca atual -com uma distância diplomática e sem se comprometer. De acordo com o divulgado por sua assessoria, ainda estudaria o pacote para se pronunciar. Mas acha bom que os empréstimos temporários feitos pelo Fed para levar liquidez ao mercado sejam acompanhados de "transparência adicional".Foi o suficiente para que Hillary o criticasse. "Não podemos permitir a política atual de "esperar e não ver" ou a política do senador McCain, de sentar em suas mãos", disse. O republicano declarou anteriormente não ser um "expert" em economia e que provavelmente teria de se aplicar mais ao assunto ao longo da campanha.Fogo semelhante, embora mais ameno, veio do Congresso. "Falar de recolocar na rota o sistema regulatório é uma idéia maravilhosa", disse o democrata Chris Dodd, presidente do comitê de finanças do Senado, que em última instância será o interlocutor de Paulson na Casa. "Mas, francamente, [o plano] não lida com as questões com as quais nós estamos nos debatendo."É o que acha também a presidente do Congresso, Nancy Pelosi, para quem o plano "é um passo na direção certa". "Mas nós precisamos ir mais fundo, dar passos agora para ajudar famílias que estão sofrendo", afirmou. A reação fez com que o economista Lou Candrall, da investidora Wrightson Icap, de Jersey City, em Nova Jersey, previsse uma disputa longa: "Não digo cinco ou seis anos, mas será uma boa discussão".Antecipando-se às críticas, o próprio Paulson disse que a sua era uma proposta para o futuro. "Esse projeto lida com questões complexas e de longo prazo que não deveriam ser decididas no meio de situações de estresse nem ser implementadas de forma a adicionar ônus a um mercado já sob pressão", afirmou. "Essas idéias requerem uma discussão cuidadosa e não serão decididas neste mês ou mesmo neste ano."Suas palavras encontraram eco na porta-voz da Casa Branca. "É uma tentativa ambiciosa, mas o presidente não foge de grandes desafios", defendeu Dana Perino. Para ela, "o secretário Paulson vem trabalhando nesse pacote por quase um ano, então não é como se ele tivesse tirado um coelho da cartola". Sobre a negociação com o Legislativo, Perino disse que "membros do Congresso terão muito a oferecer".O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, avaliou a proposta como "equilibrada e bem pensada para modernizar o sistema financeiro". "A estrutura regulatória confusa e duplicada de nosso país se converteu num problema cada vez maior para a nossa competitividade."Em Wall Street, a proposta de regulação dos bancos de investimento foi criticada por reduzir a possibilidade de alavancagem dos resultados.Bancos de investimento como Goldman Sachs e Morgan Stanley, que não são monitorados pelo Fed, têm conseguido aumentos consideráveis em seus balanços.Um banqueiro de Wall Street ponderou que, se o regulador impuser regras de bancos comerciais para os de investimento, seu modelo de negócios será seriamente afetado.