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3.3.08

ESPECIAL/VEJA > UM RAIO X DA SAÚDE 1

Adriana Dias Lopes, Anna Paula Buchalla e Naiara Magalhães

Pesquisa inédita do Ministério da Saúde revelaque os brasileiros sabem menos do que precisamsobre as causas das doenças crônicas
Quando o assunto é o cuidado com a saúde, os brasileiros vão mal, obrigado: a maioria tem hábitos alimentares pouco saudáveis e pratica menos esporte do que deveria, quase 60% estão acima do peso e 17,5% bebem de forma abusiva. Os dados são do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, o Vigitel, um dos mais completos levantamentos sobre os hábitos de saúde da população já feitos no país. Conduzida pelo Ministério da Saúde, a pesquisa ouviu, entre julho e dezembro do ano passado, 54 000 homens e mulheres moradores de 26 capitais brasileiras, além do Distrito Federal. O objetivo do trabalho é monitorar hábitos – alimentares e de comportamento – que contribuem para o aparecimento de doenças como diabetes, hipertensão, enfisema pulmonar e câncer, as chamadas doenças crônicas não transmissíveis, responsáveis por dois terços das mortes no país. "Certos costumes que adotamos podem funcionar como fator de proteção ou de risco para o desenvolvimento desse grupo de doenças", afirma Ruy Laurenti, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. "Mas grande parte dos brasileiros ainda subestima esse fato."
Os homens subestimam mais do que as mulheres, como aponta o Vigitel. No que diz respeito aos comportamentos relacionados à prevenção de doenças, as mulheres se saem melhor do que os homens em onze de dezesseis itens pesquisados: elas controlam melhor o peso, comem mais frutas e menos gorduras e protegem-se melhor do sol. Os homens só ganham delas no que diz respeito à decisão de parar de fumar (25,8% dos entrevistados já abandonaram o vício, enquanto apenas 18,6% das mulheres ouvidas fizeram o mesmo) e à prática de exercícios (19,3% dos homens dizem fazer alguma atividade física regularmente contra 12,3% das mulheres – veja o quadro). O fato de o Vigitel apontar a existência de um menor número de homens com diagnóstico de diabetes, hipertensão ou taxas elevadas de colesterol e triglicérides é relativizado por especialistas. Para eles, o resultado não indica necessariamente que a incidência dessas doenças seja mais baixa entre os homens. "É provável que seja conseqüência do fato de as mulheres fazerem consultas médicas com mais freqüência e, portanto, conhecerem melhor seus problemas", diz o cardiologista Ibraim Masciarelli, do Hospital do Coração, em São Paulo.
O Vigitel foi inspirado em um modelo de pesquisa adotado pelo governo dos Estados Unidos desde 1984 para monitorar os fatores de risco que afetam a saúde dos americanos. No Brasil, ele foi aplicado pela primeira vez em 2006. "É uma ferramenta essencial para corrigir ou aprofundar as políticas de saúde", diz o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. A comparação dos dados do Vigitel 2007 com a versão 2006 da pesquisa mostra que, embora ainda estejam distantes do ideal, os costumes dos brasileiros relacionados à prevenção de doenças vêm apresentando pequenas melhoras. O número de pessoas que se alimentam de frutas regularmente, por exemplo – hábito que ajuda a evitar a ocorrência de doenças cardiovasculares e de diversos tipos de câncer –, passou de 44% para 57%. Já a porcentagem de entrevistados que consomem carnes excessivamente gordurosas (prática associada ao aumento de doenças cardíacas, hipertensão, diabetes e obesidade) diminuiu de 39,2% para 32,8%. Confrontados com pesquisas anteriores, os dados do Vigitel também sinalizam uma queda na quantidade de brasileiros fumantes. Em 2003, levantamento do Instituto Nacional de Câncer e da Secretaria de Vigilância em Saúde, feito em dezoito capitais, mostrava que 20% da população fumava. Hoje, de acordo com o Vigitel, esse número é de 16,4% – o que coloca o Brasil entre os países com menor incidência de tabagismo. A porcentagem de brasileiros que fumam chega a ser inferior à dos americanos, por exemplo, ainda que nos Estados Unidos as campanhas antifumo sejam mais antigas e agressivas do que as daqui. Nas páginas seguintes, VEJA detalha os resultados da pesquisa do Ministério da Saúde, analisa como os brasileiros se comportam diante de doze temas relacionados a doenças ou à sua prevenção e revela as conseqüências desses hábitos para a saúde.
TABAGISMO
Vício em queda
Esta é, sem dúvida, uma das melhores notícias do levantamento do Ministério da Saúde. Com um índice de 16,4% de fumantes, o Brasil está entre os países com menor incidência de tabagismo do mundo. Nos Estados Unidos, onde as campanhas antifumo são mais antigas e agressivas do que as daqui, os fumantes somam cerca de 20% da população adulta. A queda no consumo brasileiro de cigarros começou a se desenhar no início dos anos 90, com as campanhas antitabagistas e as leis de restrição ao fumo. Na ocasião, 35% dos brasileiros tinham o hábito de fumar.
Em sete capitais, o número de fumantes supera a média nacional. Porto Alegre é a líder do ranking. E o índice alto é puxado pelo vício feminino. A capital gaúcha é a que registra o maior porcentual de mulheres fumantes – 20,1%. As gaúchas ilustram com perfeição a mudança no perfil dos tabagistas desde o início da ofensiva anticigarro. Nas regiões brasileiras mais desenvolvidas, tal qual acontece nos países de Primeiro Mundo, a tendência é de que o sexo feminino ultrapasse o masculino nas baforadas. "Com a diminuição do consumo de cigarros pelos homens, a indústria do tabaco passou a investir pesado no público feminino, especialmente nas jovens", diz Liz Maria de Almeida, gerente de epidemiologia do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos trinta anos a quantidade de fumantes masculinos caiu pela metade e a de mulheres fumantes aumentou, em média, 25%.
A grande preocupação é que elas se iniciam cedo no vício. Segundo uma pesquisa realizada recentemente pelo Inca em Porto Alegre, cerca de 55% das garotas entre 13 e 15 anos fumaram pelo menos uma vez nos trinta dias anteriores à entrevista. Quanto mais cedo uma pessoa começar a fumar, maiores serão os danos para a sua saúde. O fumante que deu suas primeiras baforadas antes dos 15 anos, por exemplo, tem o risco de morte por câncer de pulmão aumentado em quatro vezes em relação a quem começou a fumar aos 25 anos. São necessários quinze anos para que um ex-fumante volte ao patamar de risco de doenças cardiovasculares de um não-fumante. Entre as mulheres, esses perigos são potencializados. Quando elas fumam, o risco de ansiedade e depressão é duas vezes maior do que entre os homens. O de infartos e derrames, quatro vezes. Segundo o levantamento do Ministério da Saúde, a maioria só abandonará o hábito entre os 45 e 54 anos. É muito tempo sob os efeitos nocivos da nicotina.
CONSUMO ABUSIVO DE ÁLCOOL
Bebida em alta
Ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos, o consumo de álcool tem aumentado nos países em desenvolvimento. É o caso do Brasil, onde não há praticamente controle sobre a indústria de bebidas alcoólicas. Segundo os especialistas, é preciso uma política pública para o álcool tão ofensiva quanto a do cigarro. "Um litro de pinga aqui custa menos do que 1 dólar", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Nos países desenvolvidos, uma garrafa de destilado não sai por menos de 10 dólares." Além dos preços baixíssimos, no Brasil o marketing da indústria do álcool é muito agressivo e mira sobretudo os jovens. O levantamento do Ministério da Saúde confirma essa tendência. Os brasileiros que bebem exageradamente têm, em sua maioria, entre 18 e 24 anos.
Uma das principais preocupações é a tendência de aumento no abuso do álcool pelas mulheres jovens. Um estudo conduzido recentemente pela Unifesp revela que o consumo exagerado de álcool aumenta principalmente entre as meninas adolescentes. Elas já se equiparam aos meninos e três em cada dez bebem com freqüência. Quanto mais se bebe na juventude, maior será a propensão ao alcoolismo na idade adulta.
Quantidades moderadas de álcool, algo como dois copos de vinho por semana, trazem benefícios ao coração e ao sistema circulatório. Mais do que isso pode resultar em danos irreversíveis ao fígado. Há indícios de que o abuso de álcool pode lesionar o cérebro. Em excesso, a bebida está associada a danos nas regiões cerebrais ligadas à memória e ao aprendizado. De acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde do início dos anos 2000, o álcool mata mais do que o tabaco. "Ele lidera a lista dos fatores de risco para as doenças crônicas, seguido por excesso de peso, hipertensão e tabagismo", diz Carlos Augusto Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Fonte: VEJA Nº 2050/03.03.2008