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10.8.07

FESTAS DE AGOSTO EM MONTES CLAROS - MG

Somente após ter postado a imagem foram notados os papagaios-de-pirata do presidente, eu e João Avelino. Mais uma brincadeira de Lunga, meu blog teacher. A rigor, LULA, MIGUEL E ZANZA, abaixo.
ENSAIO

Tradição e Modernidade nas Festas de Agosto de Montes Claros
Clarice Sarmento
As festas religiosas apresentam um aspecto mais ou menos uniforme em todo o país. É a maior expressão do catolicismo popular e se caracterizam pela homenagem a um santo padroeiro ou da devoção da comunidade: novenas, leilões, barraquinhas, procissões e levantamento de mastros. Em algumas comunidades, até a derrubada e carregamento do pau do mastro são acompanhados de devotos que cantam louvores e dão vivas ao santo.
Das "Festas de Agosto" em Montes Claros fazem parte, atualmente, as festas de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo. São agrupadas em três dias seguidos, numa data fixa do mês de agosto:

Dia 16 - Nossa Senhora do Rosário
Dia 17 - São Benedito
Dia 18 - Divino Espírito Santo

Às vezes, por conveniência dos organizadores, acontece ligeira variação nas datas, para que a última etapa - a procissão do Divino - seja realizada no domingo e fique próxima das outras festas. Mas nem sempre foram realizadas nessa ordem. Segundo meu pai, Adail Sarmento, que aqui viveu no século passado, a primeira festa era a de Nossa senhora da Conceição, padroeira da Matriz de Nossa Senhora e São José. Em seguida, a de Nossa Senhora do Rosário e a de São Benedito, realizadas na Igrejinha do Rosário. A do Divino era novamente realizada na Igreja Matriz e, até bem pouco tempo, era mantida nesse local. Hoje não são mais precedidas de novenas, barraquinhas e leilões e têm o seu ponto alto no desfile dos cortejos de reinados e império, com sua côrte de príncipes e princesas, damas e pajens, em desfile diurno, e nos ternos de Catopês, Marujos e Caboclinhos, que os acompanham. Na noite anterior, um cortejo acompanha a bandeira, com os mordomos do mastro, ao som dos cantos dos ternos.

CATOPÊS - Sua origem remonta ao séc. XVIII, das festas de Chico Rey em Vila Rica, organizadas pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, com seus congados, danças e rítmos de origem africana.
MARUJOS - De origem portuguesa, fazem referências às aventuras náuticas da epopéia da Nau Catarineta. Rítmos do fandango, com pandeiros e rebecas.
CABOCLINHOS - Dos bailados indígenas, que muitas vezes eram apresentados nos festejos religiosos pelos jesuítas, com fins de catequese, passaram a integrar as festas religiosas.

Na manhã da festa, os ternos vão até a casa do festeiro que, como o mordomo, é escolhido por sorteio no ano anterior entre os que se candidataram e é proclamado durante a missa. Os festeiros são os pais das crianças que se vestirão de reis, rainhas, imperador e imperatriz. O reinado e o império desfilam sob um pálio, precedido por grande quantidade de príncipes e princesas, representando a côrte. O pálio pode ou não vir dentro de um quadro de varas enfeitadas, carregadas por pajens ou damas-de-honra. Os trajes ostentam as cores dos santos: azul e branco para Nossa Senhora do Rosário, rosa para São Benedito e vermelho para o Divino Espírito Santo.
Saindo da casa dos festeiros ou de outro lugar mais central da cidade, atualmente do Automóvel Clube, os cortejos desfilam pelas ruas com destino à Igreja do Rosário, reconstruída em forma de uma barca, como a "barca nova" da marujada. Antigamente, os marujos se deslocavam dentro de uma armação retangular de pano, sem fundo ou teto. Dentro desse quadro, dançavam até chegar à igreja. Desde 23 de maio de 1839, quando Marcelino Alves pediu licença à Câmara Municipal para recolher esmolas destinadas a realizar esses festejos pela primeira vez (Hermes de Paula), muitas mudanças aconteceram, quer nos trajes, nos cantos e na coreografia. O folclore é dinâmico, sofre influências, se moderniza e se modifica, nem sempre por iniciativa do grupo, adaptando-se à circunstâncias nem sempre as mais favoráveis, e integrando-se à uma nova realidade.
Vejamos algumas dessas modificações:

A banda de música, que outrora só acompanhava o Império do Divino, hoje acompanha todos os cortejos. Seu repertório, só com dobrados, hoje apresenta até mesmo canções populares. Na indumentária: os marujos conservam os ternos de cetim, os mesmos instrumentos e os mesmos chapéus enfeitados de aljôfares. Mas as máscaras de telas pintadas desapareceram. Os catopês usavam ternos brancos de brim, dançavam de pés descalços e os capacetes eram mais simples. Hoje são mais ricos em ornamentos e penas. Sem paletó, usam camisas de lamê dourado, com paetês e outros brilhos, talvez influenciados pelos desfiles de Carnaval. Os caboclinhos usavam magníficos saiotes de penas coloridas, capacetes imponentes, grande número de integrantes em cada grupo. Dorsos nus, pintados de vermelho e preto, dos grupos só participavam homens e meninos. Hoje, pequeno número de meninas vestidas com camisas de propaganda de patrocinadores ou tendo escrito "caboclinho" em letras pretas, saionas com umas tantas penas ralas, são um triste arremedo dos blocos de antigamente. Nos cantos e danças: Pouca variedade nas canções, com letras incompletas, não lembram aquelas específicas de cada grupo. Hermes de Paula registou os personagens e seus papéis, suas melodias, a parte dramática de cada um. Os assuntos dos marujos, episódios da vida no mar, a lenda do navio perdido, a revolta no mar, a morte e ressureição do patrão... Já não representam esse auto e, mesmo assim, são os marujos os que se mantêm mais fiéis à tradição. A dança dos caboclinhos tem os passos diferentes, as músicas não são as mesmas. E aonde foi parar a "Trança do Cipó", com a arapuca, o quejeme, tango e bangu, dramatizados ao som de cantos e danças próprios? Algumas vezes podemos assistir ao "Pau de Fitas", com trançado bem singelo. A "Mamãe-Vovó" era um homem travestido, engraçadíssimo, com papel específico. Hoje é uma mulher que nem tem função. Foi o que restou. O repertório dos catopês está bastante restrito, nada daquela fartura de letras e músicas. Em todo caso, são bastante animados e bem vestidos. como se vê, apesar do incentivo que tem sido dado aos grupos, só as vestes dos catopês e marujos estão vantagem com as de antigamente.

Como essas festas coincidem com a Semana Internacional do Folclore, mundialmente comemorada, desde que foi instituído o Festival Folclórico em nossa cidade elas acontecem paralelamente ao Festival, ou vice-versa. Na semana que antecede o 25 de agosto (Dia Internacional do Folclore), são apresentadas palestras, oficinas de música e teatro, exposições de artesanato e artes plásticas. Grupos locais de teatro, música e dança, assim como de outras regiões, se apresentam em grande palco, em meio à feira de comidas típicas e venda de artesanatos. Da simplicidade das comemorações do século passado resta pouca semelhança. A festa religiosa, motivação primeira e única, deu lugar a uma grandiosa movimentação em torno do folclore, na busca de costumes e tradições esquecidos, cada vez mais modificados pela influência da modernidade, de novos valores e gostos.
É a dinâmica que faz o folclore sempre se transformar, mas nunca morrer.

MANÉ QUATROCENTOS, travestido de "Mamãe-Vovó", 1986

Este blog deseja homenagear e agradecer ao Mestre NENZINHO (abaixo), falecido em julho-2007, pelas alegrias a nós proporcionadas ao longo de sua vida de marujo.

CATOPÊS

MARUJOS




CABOCLINHOS








TERNO DE SÃO BENEDITO


MIGUEL, capitão da marujada



MESTRE ZANZA


E aí, Bel?


Presidente Lula, sendo "coroado" pelo Mestre Zanza - MOC, 2007

UCHO
SER CATOPÊ
Ucho Ribeiro
Desde muito, as cores das fitas e os sons das caixas dos Catopês me entorpecem...

Quando criança, ao final da aula do Grupo D. João Pimenta, segui atordoado aquele tum-trum-tum estonteante, ouvindo encantado o espocar dos foguetes e o bem-vindo sininho da antiga Igreja do Rosário. Fiquei ali horas, boquiaberto, me deliciando com o enlevo dos movimentos e das saudações ao São Benedito. Estava em transe com tanta glória e encanto quando fui puxado pelas orelhas e esculhambado pelo meu sumiço. Vexado por ter causado preocupações aos mais velhos - e com receio de uma sova - careci de coragem para inquirir o que era aquilo tão alegre e tão comovente. Cresci desejando pular para dentro daquela roda, daquele cordão de contentamento, mas as voltas da vida me afastaram para longe. Do distante só restou saudade dos matizes vivos das fitas arco-íricas e o pesar de não ter-me misturado em meia-luas com os Catopês.
Ao voltar à terra, a carranquice e o cotidiano sintonizaram-me às coisas menos importantes. O rito do dia a dia baixou a chama do menino, censurou seu fascínio e desejo catopêico. Vivi durante muito tempo um torpor para as coisas intangíveis, uma impassibilidade às ocorrências habituais, na busca peregrina do amplo acontecimento e da grande mudança.
Entretanto, os trancos e arrancos da vida, aos solavancos, me ensinaram que o ritmo tem que ser outro. O segredo está na simplicidade. Temos que perceber que tudo é um milagre e nosso maior poder é a capacidade de sempre agradecer a Deus. É a gratidão.

Resolvi, então, afrouxar. Frouxar a vida, as rédeas, os quereres e as rigidezes. Deixar estar. Procurar a humildade, que é a fé na sua expressão mais sublime.

Este desaperto do espírito somado aos incitamentos do Paulo Narciso, de Raquel e do meu padrinho Paulo Estevão, foram terminantes para tornar-me um Catopê. Paulo levou-me até Mestre João Faria, e o seu filho, o veterano PA, abençoou minha calorice. Raquel cuidou das minhas alegorias, emoldurando afetuosamente meu cocar com lantejoulas, miçangas e plumas de pavão.
Na quarta-feira a noite, estava pronto para altear o mastro de Nossa Senhora do Rosário e misturar o tum-tum-tum do meu coração com o tum-trum-tum das caixas, surdos, tamborins e pandeiros dos Catopês. A emoção transbordava por todo lado, por todos os poros, e mais ainda porque Tavinho, meu filho, sairia também no terno. Iria viver o que não pude viver na minha infância.
Ao chegar, Rubim e eu ouvimos o meu Mestre João Faria dizer: “Oh, os meninos, a alma precisa de festa.” E retrupicar : “Onde tem alegria não tem pecado”. Aquelas palavras bateram forte e de forma sagrada. Naquele momento decidi exercitar-me na fé e na alegria. Catopecizar na fé. Lembrar que a fé é o poder mágico. Isto não é uma coisa fácil, exatamente porque é muito simples. Procurei, então, esvaziar-me, deixar espaço para ela entrar. A alegria viria junto. Como veio. Ali, mais uma vez, aprendi que jamais devemos subestimar a simplicidade.

Chegou a hora. Concentramo-nos em uma rua quieta e escura. Os Catopês, para mim anônimos e desconhecidos, fizeram uma fogueira para afinar seus instrumentos de batuque. Aproximaram os tamborins e as caixas de folia junto do fogo para esticar o couro e apurar o som. Eu a tudo observava, sem entender bem o sentido das coisas. Receava também não dar conta de acompanhar o ritmo. Virgínia, filha do historiador Hermes de Paula, dissera-me que acreditava que a palavra “Catopê” era um vocábulo africano que significava batuque e eu, pobre de mim, jamais soubera batucar.
Partimos. Os dançantes me receberam como um deles e riram do meu desajeito. Ensinaram-me a batida de um toque lento e dois rapidinhos. Tum-trum-tum. Percebi que, além da fé, o riso é a única coisa que levam realmente a sério. Creio que é por isso que eles falam “brincar o Catopê”.
Frouxei-me ao ver Tavo ao meu lado, saltitando e batendo seu pandeirinho. A respiração ficou ofegante. Os olhos marearam. A face deixou escapar um sorriso longo e verdadeiro – como todos os sorrisos deveriam ser. Daí em diante, relaxei de vez, mergulhei inteiro nas festas, a gosto, passei a quinta e sexta-feiras; o sábado e o domingo em desatino, em desvario.

Voltei à minha menina Montes Claros, senti sua poeira e o seu calor, sua alegria. Experimentei o frescor da noite e o luar. Percebi, a cada passo, o lusco-fusco das luzes entrelaçar nas minhas fitas coloridas; senti o cheiro de manga rosa e do pequi. Ouvi os gritos alegres das crianças; o silêncio quieto das missas de Padre Quirino; vi em passeata as castas beatas irmãs imaculadas; o murmurejar dos mantras das novenas e dos terços. Relembrei o medo dos pecados e as pernas nas soltas camisolas das meretrizes da Rua de Baixo, prostitutas miúdas expulsas de casa pelo descuido no amor. Vesti-me dos redemoinhos poeirentos e voei alto em cor com as pipas e papagaios nos ventos do meio do ano. Senti o gosto dos infinitos biscoitos de Fininha, dos cocos e dos melados dos quebra-queixos de Mazaropi, dos tintos pirulitos em cone enfiados simetricamente na tábua pendurada ao pescoço de Pacífica. Ouvi em oração a sublime lamúria “Dê uma esmola a pobre cega que não pode caminhar...” Dilui-me em gostosos delírios.
Andei fitado, colorido, em rodopios pelas antigas ruas de Montes Claros, ao lado da alegria de Leonel e sua boneca; da singeleza e inocência de Tuia e seu alvo bico; dos faniquitos de Requebra que Eu Te Dou Um Doce; da obsessão de João Doido com “Terezinha é minha”; da solidão do nômade Galinheiro e sua enorme tralha em mudança; da beleza e jovialidade de Lena, quando era doida; dos invertidos Olhos Dessa Muquiça e o seu caminhão paramentado; e de Manoel Quatrocentos com Gina Lolobrigida e seus “Ô Lalaica” – toquei minha caixa de folia carinhosamente para cada um deles. Eu os vi e os ouvi, graças ao transe que vivi nestes dias. Viver Catopê não passa despercebido, não deixa ninguém incólume. Ninguém que foi tocado por aquelas tentáculas fitas continua o mesmo.
Dentro daquele turbilhão de emoção, percebi que além de fé e alegria, o que havia era solidariedade, generosidade e a mais terna amizade. Só consigo me lembrar dos brilhos dos nossos olhos e da frouxura dos nossos risos.

Assim aconteceu comigo. E nada mais posso fazer agora do que agradecer por ter tido tamanha oportunidade de ser Catopê. Ser Catopê é para mim um doce que derrete lentamente na boca e que não se gasta nunca.
Cada vez que os meus pés tocaram a calçada da Igrejinha do Rosário, ao lado de onde o sininho saúda a chegada dos Catopês, Marujos e Caboclinhos, e depois de testemunhar pelas ruas de Montes Claros as lágrimas, sorrisos e promessas dos meus conterrâneos, reafirmei o compromisso de devoção ao Divino, para sempre.

Para o ano eu voltarei pra cumprir nova missão.
Viva os presentes! Viva os ausentes! O Catopê não tem fim...

Aúí!!!
NOTA: A série Vovô Pacífico, de autoria do neto Ucho, vale a viagem.
Degustem-na>COLUNISTAS> http://www.montesclaros.com/







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