O Brasil a caminho da maioridade
Fabio Giambiagi*
Valor Econômico
02.06.2008
Há momentos que são cruciais na vida de uma pessoa. Um deles é a transição que ocorre entre a infância e a vida adulta. Nem sempre o ser humano transita bem por essa fase: há os que ficam na adolescência eterna e há aqueles que, ao fazer as suas escolhas, fazem a opção errada. Com os países ocorre algo similar. Eles evoluem, mudam e se transformam - alguns amadurecem e outros perdem o bonde da História.
A Espanha de hoje não guarda qualquer relação com o país mergulhado em torpor dos anos 70. A pujança da economia inglesa nos últimos 20 a 25 anos certamente está associada às reformas da era Thatcher. Mais perto de nós, o Chile deixou há muito tempo de ser mais um país andino mergulhado em dramáticos problemas econômicos e sociais, para se tornar o país latino-americano que mais se desenvolveu em termos sociais nos últimos 30 anos. Na direção oposta, muitos opinam - e me incluo entre eles - que as opções feitas pela Argentina na época do peronismo responderam em parte pelo seu longo declínio no pós-guerra. Não tenho dúvidas, também, que os historiadores julgarão severamente o que está acontecendo na Venezuela com Chávez como sendo um verdadeiro "case" de perda de oportunidade para alavancar o crescimento do país vizinho.
No Brasil, convivem ambas tendências sob o mesmo céu. Temos exemplos de modernidade, como uma empresa de petróleo que atinge recordes sucessivos; uma Vale que é orgulho de todos os brasileiros; um agronegócio exuberante; um setor financeiro em diversos aspectos extraordinariamente sofisticado; etc. Por outro lado, basta ler o jornal um dia qualquer para entender que, parodiando Bette Midler - que disse que "quando são 3 horas da tarde em Nova York, é pontualmente 1938 em Londres" -, por estes trópicos, para um número não desprezível de pessoas, "quando são 3 horas da tarde em Beijing, é pontualmente 1950 no Brasil". Exemplo disso foi a proposta de plebiscito em 2007 para anular o leilão de privatização da Vale, que tinha ocorrido 10 anos antes. Todas as vezes que o país tem a oportunidade de avançar, aparecem grupos de pressão brigando intensamente para que as agulhas do relógio da História se movam para trás.
Como militante da palavra, acredito na força da racionalidade. Os processos vividos pelos países não são apenas, mas creio que são também, fruto da decantação de idéias que vão se consolidando com o passar dos anos e a partir do debate intelectual entre diferentes correntes. Nesse sentido, é importante que comecemos a debater que país o Brasil pretende ser na próxima década. Foi com essa intenção que organizamos, em conjunto com Octavio de Barros, o livro "Brasil globalizado - O Brasil em um mundo surpreendente", recentemente lançado pela Editora Campus, na forma de uma coletânea com 11 capítulos, contando com a colaboração ilustre de intelectuais do porte de Fernando Henrique Cardoso, Luciano Coutinho, Affonso Pastore e Cláudio Haddad, entre outros.
Nos últimos 20 anos, o país passou por um processo de transformação que poderá lhe permitir dar um salto de qualidade na próxima década
Em outras ocasiões, tanto neste espaço como em livros, eu destaquei o lado da "metade vazia do copo". O novo livro trata da "metade cheia". Nossa visão, como organizadores, é que o Brasil tem sido beneficiado pelo perfil de uma economia mundial influenciada pela demanda asiática e pode estar no início de um ciclo longo de desenvolvimento, que talvez possa se prolongar durante bastante tempo, no caso do país fazer as escolhas certas.
Ninguém tem dúvidas que alguns dos autores do livro têm visões diferentes entre si. Contudo, há um denominador comum entre eles: a percepção de que o Brasil tem importantes potencialidades a explorar nos próximos anos, assumindo-se como uma economia capitalista de nível médio, plenamente integrada ao mundo, que aceite os desafios impostos pela competição, respeite os fundamentos macroeconômicos e amplie a produtividade, o investimento e o esforço na educação.
Um dos obstáculos a serem ultrapassados no processo de amadurecimento é vencer o desafio do que é novo. Idéias e preconceitos são difíceis de mudar. O livro tenta convencer o leitor de que o Brasil pode dar certo e ter um destino próspero, se continuar a fazer as coisas positivas que veio fazendo ao longo das últimas duas décadas. O país, sem dúvida, passou por uma curva de aprendizado, desde os sombrios anos da economia nos anos 80. É preciso continuar a trilhar esse caminho, embora identificando os gargalos e os entraves.
Nesse período, cometemos erros e ainda há muito a corrigir. Por outro lado, as melhoras são evidentes. O livro pretende ser um convite à reflexão, a partir da idéia de que, ao longo dos últimos 20 anos, o país passou por um processo de transformação que poderá lhe permitir dar um salto de qualidade, por sua vez, na próxima década. A maturidade pode estar ao alcance da mão.
Até os anos 90, o Brasil era um país esmagado pela alta inflação, com uma situação fiscal caótica, níveis de produtividade baixos, elevada dívida externa, péssima distribuição de renda e com uma democracia ainda frágil. Em contraste, agora, a caminho do final da década, temos uma economia estável, com dívida pública em declínio, um setor privado que se modernizou de modo extraordinário, a dívida externa líquida foi eliminada e a distribuição de renda tem melhorado recentemente, além de sermos uma democracia que vai se consolidando. Se persistir no rumo, passar por uma nova rodada de reformas nos próximos anos, ampliar a poupança doméstica e investir na educação, o Brasil tem tudo para ser uma estrela com brilho crescente no futuro.
Ter centenas de milhares de asiáticos aumentando seu nível de consumo, em um contexto em que a "energia verde" é cada vez mais importante e em um quadro em que, na década de 2010, o Brasil terá Tupi começando a produzir e um "boom" de produção de gás, representa uma oportunidade única para dar um salto à frente. É disso que o livro trata. Se souber se posicionar, o Brasil de 2020 pouco se parecerá com o de 2008.
*Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Brasil Globalizado" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br.
Fabio Giambiagi*
Valor Econômico
02.06.2008
Há momentos que são cruciais na vida de uma pessoa. Um deles é a transição que ocorre entre a infância e a vida adulta. Nem sempre o ser humano transita bem por essa fase: há os que ficam na adolescência eterna e há aqueles que, ao fazer as suas escolhas, fazem a opção errada. Com os países ocorre algo similar. Eles evoluem, mudam e se transformam - alguns amadurecem e outros perdem o bonde da História.
A Espanha de hoje não guarda qualquer relação com o país mergulhado em torpor dos anos 70. A pujança da economia inglesa nos últimos 20 a 25 anos certamente está associada às reformas da era Thatcher. Mais perto de nós, o Chile deixou há muito tempo de ser mais um país andino mergulhado em dramáticos problemas econômicos e sociais, para se tornar o país latino-americano que mais se desenvolveu em termos sociais nos últimos 30 anos. Na direção oposta, muitos opinam - e me incluo entre eles - que as opções feitas pela Argentina na época do peronismo responderam em parte pelo seu longo declínio no pós-guerra. Não tenho dúvidas, também, que os historiadores julgarão severamente o que está acontecendo na Venezuela com Chávez como sendo um verdadeiro "case" de perda de oportunidade para alavancar o crescimento do país vizinho.
No Brasil, convivem ambas tendências sob o mesmo céu. Temos exemplos de modernidade, como uma empresa de petróleo que atinge recordes sucessivos; uma Vale que é orgulho de todos os brasileiros; um agronegócio exuberante; um setor financeiro em diversos aspectos extraordinariamente sofisticado; etc. Por outro lado, basta ler o jornal um dia qualquer para entender que, parodiando Bette Midler - que disse que "quando são 3 horas da tarde em Nova York, é pontualmente 1938 em Londres" -, por estes trópicos, para um número não desprezível de pessoas, "quando são 3 horas da tarde em Beijing, é pontualmente 1950 no Brasil". Exemplo disso foi a proposta de plebiscito em 2007 para anular o leilão de privatização da Vale, que tinha ocorrido 10 anos antes. Todas as vezes que o país tem a oportunidade de avançar, aparecem grupos de pressão brigando intensamente para que as agulhas do relógio da História se movam para trás.
Como militante da palavra, acredito na força da racionalidade. Os processos vividos pelos países não são apenas, mas creio que são também, fruto da decantação de idéias que vão se consolidando com o passar dos anos e a partir do debate intelectual entre diferentes correntes. Nesse sentido, é importante que comecemos a debater que país o Brasil pretende ser na próxima década. Foi com essa intenção que organizamos, em conjunto com Octavio de Barros, o livro "Brasil globalizado - O Brasil em um mundo surpreendente", recentemente lançado pela Editora Campus, na forma de uma coletânea com 11 capítulos, contando com a colaboração ilustre de intelectuais do porte de Fernando Henrique Cardoso, Luciano Coutinho, Affonso Pastore e Cláudio Haddad, entre outros.
Nos últimos 20 anos, o país passou por um processo de transformação que poderá lhe permitir dar um salto de qualidade na próxima década
Em outras ocasiões, tanto neste espaço como em livros, eu destaquei o lado da "metade vazia do copo". O novo livro trata da "metade cheia". Nossa visão, como organizadores, é que o Brasil tem sido beneficiado pelo perfil de uma economia mundial influenciada pela demanda asiática e pode estar no início de um ciclo longo de desenvolvimento, que talvez possa se prolongar durante bastante tempo, no caso do país fazer as escolhas certas.
Ninguém tem dúvidas que alguns dos autores do livro têm visões diferentes entre si. Contudo, há um denominador comum entre eles: a percepção de que o Brasil tem importantes potencialidades a explorar nos próximos anos, assumindo-se como uma economia capitalista de nível médio, plenamente integrada ao mundo, que aceite os desafios impostos pela competição, respeite os fundamentos macroeconômicos e amplie a produtividade, o investimento e o esforço na educação.
Um dos obstáculos a serem ultrapassados no processo de amadurecimento é vencer o desafio do que é novo. Idéias e preconceitos são difíceis de mudar. O livro tenta convencer o leitor de que o Brasil pode dar certo e ter um destino próspero, se continuar a fazer as coisas positivas que veio fazendo ao longo das últimas duas décadas. O país, sem dúvida, passou por uma curva de aprendizado, desde os sombrios anos da economia nos anos 80. É preciso continuar a trilhar esse caminho, embora identificando os gargalos e os entraves.
Nesse período, cometemos erros e ainda há muito a corrigir. Por outro lado, as melhoras são evidentes. O livro pretende ser um convite à reflexão, a partir da idéia de que, ao longo dos últimos 20 anos, o país passou por um processo de transformação que poderá lhe permitir dar um salto de qualidade, por sua vez, na próxima década. A maturidade pode estar ao alcance da mão.
Até os anos 90, o Brasil era um país esmagado pela alta inflação, com uma situação fiscal caótica, níveis de produtividade baixos, elevada dívida externa, péssima distribuição de renda e com uma democracia ainda frágil. Em contraste, agora, a caminho do final da década, temos uma economia estável, com dívida pública em declínio, um setor privado que se modernizou de modo extraordinário, a dívida externa líquida foi eliminada e a distribuição de renda tem melhorado recentemente, além de sermos uma democracia que vai se consolidando. Se persistir no rumo, passar por uma nova rodada de reformas nos próximos anos, ampliar a poupança doméstica e investir na educação, o Brasil tem tudo para ser uma estrela com brilho crescente no futuro.
Ter centenas de milhares de asiáticos aumentando seu nível de consumo, em um contexto em que a "energia verde" é cada vez mais importante e em um quadro em que, na década de 2010, o Brasil terá Tupi começando a produzir e um "boom" de produção de gás, representa uma oportunidade única para dar um salto à frente. É disso que o livro trata. Se souber se posicionar, o Brasil de 2020 pouco se parecerá com o de 2008.
*Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Brasil Globalizado" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br.