Um golpe na impunidade
Marcelo Carneiro
Veja num. 2061
19.05.2008
Nova lei acelera julgamento de réus e eliminasegunda chance para os condenados por assassinato
Dois episódios recentes – o assassinato da menina Isabella e a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, que havia sido condenado no ano passado pela morte da missionária americana Dorothy Stang – fizeram com que os parlamentares brasileiros dessem, na semana passada, um passo importante para acabar com a impunidade no país. Na quarta-feira, a Câmara aprovou um pacote de mudanças no Código Penal que, entre outras coisas, elimina a possibilidade de um segundo julgamento, em tribunal do júri, no caso de réus acusados de homicídio. Até então, todos os réus condenados a pena igual ou superior a vinte anos de prisão tinham direito a um segundo júri. Foi com base nessa legislação que o fazendeiro Moura, condenado a trinta anos no ano passado por ter encomendado o assassinato da freira Dorothy Stang, conseguiu se safar da sentença. Julgado pela segunda vez no início do mês, no Pará, Moura acabou absolvido depois que uma testemunha (mediante suborno de 100 000 reais, segundo denúncia da promotoria) voltou atrás em seu depoimento e o inocentou.
Outra medida importante aprovada pela Câmara foi o estabelecimento de um prazo máximo para a realização de julgamentos de homicídio. Hoje, em estados como São Paulo, o "engarrafamento" de processos é tamanho que alguns casos demoram até cinco anos para chegar ao tribunal. O julgamento do jornalista Antonio Pimenta Neves, condenado por matar a ex-namorada, levou quase seis anos para ocorrer. O de Suzane von Richthofen, que confessou ter matado os pais, demorou quatro. Agora, não haverá mais desculpa para atrasos. Se em seis meses o juiz de uma determinada vara não julgar um processo – seja por acúmulo de trabalho ou qualquer outro motivo –, o caso será automaticamente remetido para outro fórum, com prioridade para a realização do julgamento. Essa medida terá impacto imediato no caso Isabella. Graças a ela, Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá deverão estar sentados no banco dos réus, no máximo, até o início do ano que vem. Antes, especialistas estimavam que o julgamento do pai e da madrasta de Isabella só seria realizado em 2010.
Os deputados ainda acabaram com vários mecanismos que, sob a justificativa de garantir a defesa dos acusados, eram usados para atrasar o julgamento. Antes, realizavam-se três audiências antes do júri. Agora, será apenas uma. Também não haverá mais um número ilimitado de quesitos, como são chamadas as perguntas técnicas apresentadas aos jurados antes da decisão pela condenação ou absolvição. Como o júri é formado por leigos, muitas vezes os advogados formulavam questões complexas, apenas com o intuito de criar contradições. Se o veredicto fosse desfavorável, a defesa pedia a anulação do julgamento, alegando erros nas respostas aos quesitos. Especialistas estimam que mais da metade dos julgamentos de homicídio anulados pela Justiça brasileira tiveram como justificativa supostas incorreções nas respostas dos jurados. Com a nova lei, eles só terão de responder a três perguntas: se o crime ocorreu, se o réu é o autor e se ele deve ser absolvido ou condenado. "As mudanças aprovadas pela Câmara modernizam, simplificam e agilizam o Judiciário", afirma o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira. Elas passarão a valer assim que receberem sanção presidencial.
Além das alterações na mecânica dos julgamentos, os deputados aprovaram medidas que tornarão mais difícil a vida de criminosos já encarcerados, mas essas ainda terão de passar pelo Senado para entrar em vigor. Finalmente, os deputados avalizaram o projeto que estabelece pena de três meses a um ano de prisão para detentos que portarem celular em presídios (hoje, isso é considerado apenas uma infração administrativa, não sujeita a punição). Também entrará em vigor a medida que prevê o monitoramento eletrônico para presos que tenham obtido benefícios como progressão para o regime semi-aberto ou saídas temporárias. Será o fim – ou, pelo menos, assim se espera – das fugas de presos que ganham indulto em datas como o Natal e não retornam ao presídio. A iniciativa da Câmara mostra o entendimento, por parte dos parlamentares, de que o combate à impunidade se dá pela adoção de medidas como a redução de benefícios e o aumento de penas para os criminosos. No Brasil dos últimos tempos, fez-se exatamente o contrário – redução de penas e aumento de benefícios. As estatísticas de criminalidade mostram quão desastrosa tem sido essa política.
Marcelo Carneiro
Veja num. 2061
19.05.2008
Nova lei acelera julgamento de réus e eliminasegunda chance para os condenados por assassinato
Dois episódios recentes – o assassinato da menina Isabella e a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, que havia sido condenado no ano passado pela morte da missionária americana Dorothy Stang – fizeram com que os parlamentares brasileiros dessem, na semana passada, um passo importante para acabar com a impunidade no país. Na quarta-feira, a Câmara aprovou um pacote de mudanças no Código Penal que, entre outras coisas, elimina a possibilidade de um segundo julgamento, em tribunal do júri, no caso de réus acusados de homicídio. Até então, todos os réus condenados a pena igual ou superior a vinte anos de prisão tinham direito a um segundo júri. Foi com base nessa legislação que o fazendeiro Moura, condenado a trinta anos no ano passado por ter encomendado o assassinato da freira Dorothy Stang, conseguiu se safar da sentença. Julgado pela segunda vez no início do mês, no Pará, Moura acabou absolvido depois que uma testemunha (mediante suborno de 100 000 reais, segundo denúncia da promotoria) voltou atrás em seu depoimento e o inocentou.
Outra medida importante aprovada pela Câmara foi o estabelecimento de um prazo máximo para a realização de julgamentos de homicídio. Hoje, em estados como São Paulo, o "engarrafamento" de processos é tamanho que alguns casos demoram até cinco anos para chegar ao tribunal. O julgamento do jornalista Antonio Pimenta Neves, condenado por matar a ex-namorada, levou quase seis anos para ocorrer. O de Suzane von Richthofen, que confessou ter matado os pais, demorou quatro. Agora, não haverá mais desculpa para atrasos. Se em seis meses o juiz de uma determinada vara não julgar um processo – seja por acúmulo de trabalho ou qualquer outro motivo –, o caso será automaticamente remetido para outro fórum, com prioridade para a realização do julgamento. Essa medida terá impacto imediato no caso Isabella. Graças a ela, Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá deverão estar sentados no banco dos réus, no máximo, até o início do ano que vem. Antes, especialistas estimavam que o julgamento do pai e da madrasta de Isabella só seria realizado em 2010.
Os deputados ainda acabaram com vários mecanismos que, sob a justificativa de garantir a defesa dos acusados, eram usados para atrasar o julgamento. Antes, realizavam-se três audiências antes do júri. Agora, será apenas uma. Também não haverá mais um número ilimitado de quesitos, como são chamadas as perguntas técnicas apresentadas aos jurados antes da decisão pela condenação ou absolvição. Como o júri é formado por leigos, muitas vezes os advogados formulavam questões complexas, apenas com o intuito de criar contradições. Se o veredicto fosse desfavorável, a defesa pedia a anulação do julgamento, alegando erros nas respostas aos quesitos. Especialistas estimam que mais da metade dos julgamentos de homicídio anulados pela Justiça brasileira tiveram como justificativa supostas incorreções nas respostas dos jurados. Com a nova lei, eles só terão de responder a três perguntas: se o crime ocorreu, se o réu é o autor e se ele deve ser absolvido ou condenado. "As mudanças aprovadas pela Câmara modernizam, simplificam e agilizam o Judiciário", afirma o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira. Elas passarão a valer assim que receberem sanção presidencial.
Além das alterações na mecânica dos julgamentos, os deputados aprovaram medidas que tornarão mais difícil a vida de criminosos já encarcerados, mas essas ainda terão de passar pelo Senado para entrar em vigor. Finalmente, os deputados avalizaram o projeto que estabelece pena de três meses a um ano de prisão para detentos que portarem celular em presídios (hoje, isso é considerado apenas uma infração administrativa, não sujeita a punição). Também entrará em vigor a medida que prevê o monitoramento eletrônico para presos que tenham obtido benefícios como progressão para o regime semi-aberto ou saídas temporárias. Será o fim – ou, pelo menos, assim se espera – das fugas de presos que ganham indulto em datas como o Natal e não retornam ao presídio. A iniciativa da Câmara mostra o entendimento, por parte dos parlamentares, de que o combate à impunidade se dá pela adoção de medidas como a redução de benefícios e o aumento de penas para os criminosos. No Brasil dos últimos tempos, fez-se exatamente o contrário – redução de penas e aumento de benefícios. As estatísticas de criminalidade mostram quão desastrosa tem sido essa política.