Ricardo Amaral
Época num. 0518
21.04.2008
Num comitê informal, integrado por gente do governo e de fora, Lula ouve opiniões divergentes sobre juros, câmbio, exportações... Como essas reuniões o ajudam a pensar a economia
‘‘Não sei se foi o aumento dos juros, se foi o massacre que o Corinthians recebeu do Goiás’’ LULA, sobre o torcicolo que o forçou a usar um colar ortopédico
Se existe um assunto capaz de tirar o sono do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a possibilidade de um retorno da inflação. Para exorcizar esse fantasma, Lula aceita até engolir remédios amargos, condenados pela maioria dos economistas que o acompanharam ao longo da carreira e hoje ocupam postos-chave no governo. Foi o caso do aumento da taxa básica de juros, a Selic, que o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a aplicar na semana passada, depois de deixar o medicamento dois anos na prateleira. A dose reforçada, de 0,5 ponto porcentual, levou os juros básicos da economia a 11,75% ao ano, uma das maiores taxas do mundo. Para muitos especialistas, ela poderá comprometer o ritmo de crescimento do país. Isso deixou o presidente numa posição incômoda. “Não sei se foi por causa do aumento dos juros, se foi por causa do massacre que o Corinthians recebeu do Goiás, acho que tudo isso me deu esse torcicolo aqui”, disse o corintiano Lula no dia seguinte à reunião do Copom e à derrota de seu time na Copa do Brasil, com o pescoço envolvido num colar ortopédico durante um evento em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Desde que o país adotou o regime de metas de inflação, no governo Fernando Henrique Cardoso, os brasileiros se acostumaram a acompanhar as reuniões do Copom. Os membros do Comitê, todos eles diretores do Banco Central, analisam minuciosamente os indicadores da economia e decidem qual será a taxa básica de juros, índice que influencia todos os outros números do país. Existe outro grupo, do qual quase ninguém sabe, formado por um elenco restrito de economistas, que se reúne periodicamente com o presidente Lula para discutir inflação, câmbio, juros, política industrial, crescimento econômico, balança de pagamentos – os grandes temas da economia. É com esses economistas, de dentro e de fora do governo, que Lula vem discutindo os sinais de perigo da inflação e outro problema que também lhe tira o sono: a flutuação do câmbio, que tem deixado o real cada vez mais valorizado diante do dólar e de outras moedas.
“O presidente tem uma preocupação sincera com a inflação, porque fez sua carreira de sindicalista organizando greves e negociando reajustes para os salários, que eram devorados pelo aumento dos preços”, disse o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos membros desse pequeno grupo de consultores informais do presidente. “Da mesma forma, Lula se preocupa com o câmbio porque sabe que o problema pode afetar o emprego na indústria, o setor da economia de onde ele veio.” Além de Belluzzo, fazem parte do comitê informal o ex-ministro Delfim Netto e o professor Luciano Coutinho, que saltou desses encontros para a presidência do BNDES, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e, logicamente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O grupo vem se reunindo regularmente com Lula desde o início do segundo mandato. Para alguns desses encontros (foram seis até agora), o presidente convidou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Dilma e Ciro são, hoje, os mais prováveis candidatos a receber o apoio de Lula nas eleições presidenciais de 2010. Lula não é o primeiro presidente a ouvir opiniões de gente de fora do governo – José Sarney teve seu time particular de consultores, que incluía o genro, Jorge Murad. Fernando Henrique encontrava regularmente empresários para ouvir suas demandas, em encontros realizados no apartamento de um de seus auxiliares mais próximos, Andrea Matarazzo, em São Paulo.
O que chama a atenção no comitê informal é o fato de juntar pessoas com histórias políticas tão distintas, quanto Delfim e Mantega, e de correntes econômicas aparentemente inconciliáveis, como Belluzzo e Meirelles. Quem conhece Lula desde o tempo do sindicato dos metalúrgicos sabe, por experiência, que o presidente gosta de jogar com as divergências entre auxiliares antes de tomar decisões. Segundo um antigo ministro, “enquanto os outros falam, Lula pensa”. Isso vale na política e na economia.“Os responsáveis pela política econômica são o Guido Mantega e o Henrique Meirelles, mas o presidente é o maestro e ele gosta de ouvir toda a orquestra: desde o violino até o bumbo”, diz o senador Mercadante.
ORIGEMLula numa manifestação sindical nos anos 80. Ele entrou no sindicalismo para lutar por melhores reajustes salariais, num tempo em que a inflação consumia uma fatia importante da remuneração dos assalariados
O violino do presidente do Banco Central está afinado com os “ortodoxos” do mercado financeiro. É contra a política monetária conduzida por Meirelles que o ex-deputado Delfim Netto bate o bumbo. Delfim é identificado hoje com os “desenvolvimentistas” da indústria. Em 1977, era pela segunda vez ministro da Fazenda do governo militar, quando alguns sindicatos de trabalhadores, proibidos por lei de fazer greves por aumentos de salários, lançaram uma campanha inovadora. Em assembléias pacíficas e com recursos à Justiça, os trabalhadores pediam uma reposição salarial de 34,1%. Era a diferença entre a inflação oficial dos anos de 1973 e 1974 e o índice verdadeiro, escondido pelo governo, mas revelado num relatório do Banco Mundial. Foi nesse movimento, contra Delfim, que despontou o sindicalista Luiz Inácio da Silva, o Lula. Depois vieram as greves, a CUT e o PT.
O comitê informal de Lula incorporou dois professores, Belluzzo e Coutinho, que no passado fizeram a cabeça de Ulysses Guimarães no velho MDB. Ligados ao antigo PCB, eles estiveram próximos de Lula em muitas ocasiões. Praticamente romperam os laços em 2004, quando Meirelles, apoiado pelo ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, promoveu uma seqüência de aumentos na taxa de juros que deteve a inflação ao custo de encolher a economia – num movimento que muitos chamam de cavalo-de-pau. Belluzzo e Coutinho chegaram a participar do “Copom Sombra”, que publicava artigos espinafrando o verdadeiro Copom. Em 2005, ao ver o Produto Interno Bruto (PIB) do país diminuir como resultado daquela política, Lula repreendeu Palocci com uma bronca inesquecível: “Aqui, ó, que vocês vão dar mais cavalo-de-pau no meu governo!”.
A reeleição do presidente em 2006 e dois anos seguidos de crescimento do PIB acima de 4% provocaram uma releitura do passado. O próprio Lula passou a se referir a 2004 como um “erro de dosagem” e a atribuir os bons resultados, na economia e na política, ao trabalho da dupla Meirelles–Palocci nos primeiros anos de governo. Sucessor de Palocci e ex-assessor de Lula no Instituto Cidadania, Guido Mantega manteve a ponte com os economistas do velho MDB e promoveu a reaproximação. Luciano Coutinho já freqüentava o Planalto em conversas discretas desde o final do primeiro mandato. A um amigo ele fez recentemente um elogio a Meirelles e ao “ambiente desanuviado” nos debates internos sobre economia.
É o ministro da Fazenda quem organiza as reuniões do comitê informal, faz os convites e propõe os temas de debate. As reuniões ocorrem quase sempre em volta da grande mesa retangular da “sala de situação”, um local discreto com acesso direto ao gabinete do presidente no 3o andar do Palácio do Planalto. Os encontros nunca aparecem na agenda oficial de Lula, que tem tanto horror de inflação quanto do vazamento de notícias sobre reuniões reservadas. Em julho do ano passado, Guido Mantega convidou o comitê para um jantar em sua casa, incluindo na lista o colega do Planejamento Paulo Bernardo. O comitê aguardava a chegada do presidente quando chegou a notícia da queda do avião da TAM no aeroporto de Congonhas. Não houve reunião naquela noite.
O ambiente pode estar menos carregado, como descreveu o presidente do BNDES, mas o conflito de idéias permanece e é muito forte sobre alguns temas. Meirelles não conseguiu convencer nenhum dos demais conselheiros sobre o risco inflacionário representado pela alta dos preços de alimentos e outros produtos. Na última reunião do grupo, no fim de março, Coutinho, Belluzzo, Delfim e Mercadante sugeriram esperar que os preços dos alimentos voltassem ao normal. Ciro Gomes disse que um aumento dos juros seria “a burrada final”. Meirelles sustentou que a demanda vem se acelerando num ritmo maior que a oferta – o que provoca inflação – e que a ação deve ser preventiva, e não posterior. O presidente do BC e o ministro da Fazenda evitam falar sobre decisões oficiais para um grupo que inclui consultores privados, um deputado e um senador.
No caso dos juros, o comitê informal pensava de uma forma e o presidente do BC de outra, o que acabou prevalecendo. No ano passado, quando o governo decidiu fixar em 4,5% a meta de inflação para 2009, os economistas mais próximos do BC defendiam um objetivo mais rigoroso, de 4%. Daquela vez, a vitória, no comitê informal e na decisão de governo, foi de Mantega. Também houve consensos, como na reunião de dezembro que discutiu o que fazer para compensar a perda de arrecadação com o fim da CPMF – e indicou o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O próximo desafio é o câmbio, que está sobre a mesa desde as primeiras reuniões. Como esse é um tema que divide economistas no mundo inteiro – e para o qual contribui até mesmo a providência divina, segundo o ex-ministro Delfim –, os conselheiros informais de Lula terão muito o que falar.
Os conselheiros No grupo de economistas que aconselham Lula, há dois potenciais candidatos a sua sucessão: Dilma Rousseff e Ciro Gomes Aloizio Mercadante Senador (PT-SP)Assessor de Lula desde a fundação do PT, é economista e discípulo da professora Maria Conceição Tavares (UFRJ). É da linha desenvolvimentista, que sempre fez forte oposição à ortodoxia econômica. Luiz Gonzaga Belluzzo Pres. do conselho da TV Brasil Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987), é ligado à Unicamp. Diz que a atual configuração do capitalismo não permite melhorar a qualidade das políticas sociais públicas. Luciano CoutinhoPresidente do BNDES Consultor até assumir o BNDES, é especialista em economia industrial e inter-nacional. Seus estudos sempre tiveram como tema principal o lado real da economia. É um crítico severo da atuação do Banco Central. Dilma Rousseff Ministra-chefe da Casa CivilDoutora em Economia Monetária e Financeira, assumiu a coordenação do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimen to, e virou o principal símbolo da ala desenvolvimentista do governo Lula. Guido Mantega Ministro da Fazenda Outro antigo assessor de Lula, é economista e professor da Fundação Getúlio Vargas. Sempre foi crítico do modelo que prega o enxugamento do Estado, com privatizações e cortes de investimentos. Ciro Gomes Deputado federal (PSB-CE) Ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, ajudou a implementar o Plano Real, mas depois rompeu com o PSDB. Hoje, é tido como aliado leal do presidente Lula. Também é crítico do liberalismo. Henrique Meirelles Presidente do Banco Central Ex-presidente do BankBoston, foi eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás em 2002. Renunciou ao cargo para presidir o BC. É considerado o mais ortodoxo do grupo, principal defensor da atual política monetária. Antonio Delfim NettoEx-ministro da Fazenda Ministro da Fazenda e da Agricultura no regime militar e um dos responsáveis pelo período que ficou conhecido como milagre econômico, é o mais experiente da turma. É um dos maiores críticos da política monetária ortodoxa.
Época num. 0518
21.04.2008
Num comitê informal, integrado por gente do governo e de fora, Lula ouve opiniões divergentes sobre juros, câmbio, exportações... Como essas reuniões o ajudam a pensar a economia
‘‘Não sei se foi o aumento dos juros, se foi o massacre que o Corinthians recebeu do Goiás’’ LULA, sobre o torcicolo que o forçou a usar um colar ortopédico
Se existe um assunto capaz de tirar o sono do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a possibilidade de um retorno da inflação. Para exorcizar esse fantasma, Lula aceita até engolir remédios amargos, condenados pela maioria dos economistas que o acompanharam ao longo da carreira e hoje ocupam postos-chave no governo. Foi o caso do aumento da taxa básica de juros, a Selic, que o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a aplicar na semana passada, depois de deixar o medicamento dois anos na prateleira. A dose reforçada, de 0,5 ponto porcentual, levou os juros básicos da economia a 11,75% ao ano, uma das maiores taxas do mundo. Para muitos especialistas, ela poderá comprometer o ritmo de crescimento do país. Isso deixou o presidente numa posição incômoda. “Não sei se foi por causa do aumento dos juros, se foi por causa do massacre que o Corinthians recebeu do Goiás, acho que tudo isso me deu esse torcicolo aqui”, disse o corintiano Lula no dia seguinte à reunião do Copom e à derrota de seu time na Copa do Brasil, com o pescoço envolvido num colar ortopédico durante um evento em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Desde que o país adotou o regime de metas de inflação, no governo Fernando Henrique Cardoso, os brasileiros se acostumaram a acompanhar as reuniões do Copom. Os membros do Comitê, todos eles diretores do Banco Central, analisam minuciosamente os indicadores da economia e decidem qual será a taxa básica de juros, índice que influencia todos os outros números do país. Existe outro grupo, do qual quase ninguém sabe, formado por um elenco restrito de economistas, que se reúne periodicamente com o presidente Lula para discutir inflação, câmbio, juros, política industrial, crescimento econômico, balança de pagamentos – os grandes temas da economia. É com esses economistas, de dentro e de fora do governo, que Lula vem discutindo os sinais de perigo da inflação e outro problema que também lhe tira o sono: a flutuação do câmbio, que tem deixado o real cada vez mais valorizado diante do dólar e de outras moedas.
“O presidente tem uma preocupação sincera com a inflação, porque fez sua carreira de sindicalista organizando greves e negociando reajustes para os salários, que eram devorados pelo aumento dos preços”, disse o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos membros desse pequeno grupo de consultores informais do presidente. “Da mesma forma, Lula se preocupa com o câmbio porque sabe que o problema pode afetar o emprego na indústria, o setor da economia de onde ele veio.” Além de Belluzzo, fazem parte do comitê informal o ex-ministro Delfim Netto e o professor Luciano Coutinho, que saltou desses encontros para a presidência do BNDES, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e, logicamente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O grupo vem se reunindo regularmente com Lula desde o início do segundo mandato. Para alguns desses encontros (foram seis até agora), o presidente convidou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Dilma e Ciro são, hoje, os mais prováveis candidatos a receber o apoio de Lula nas eleições presidenciais de 2010. Lula não é o primeiro presidente a ouvir opiniões de gente de fora do governo – José Sarney teve seu time particular de consultores, que incluía o genro, Jorge Murad. Fernando Henrique encontrava regularmente empresários para ouvir suas demandas, em encontros realizados no apartamento de um de seus auxiliares mais próximos, Andrea Matarazzo, em São Paulo.
O que chama a atenção no comitê informal é o fato de juntar pessoas com histórias políticas tão distintas, quanto Delfim e Mantega, e de correntes econômicas aparentemente inconciliáveis, como Belluzzo e Meirelles. Quem conhece Lula desde o tempo do sindicato dos metalúrgicos sabe, por experiência, que o presidente gosta de jogar com as divergências entre auxiliares antes de tomar decisões. Segundo um antigo ministro, “enquanto os outros falam, Lula pensa”. Isso vale na política e na economia.“Os responsáveis pela política econômica são o Guido Mantega e o Henrique Meirelles, mas o presidente é o maestro e ele gosta de ouvir toda a orquestra: desde o violino até o bumbo”, diz o senador Mercadante.
ORIGEMLula numa manifestação sindical nos anos 80. Ele entrou no sindicalismo para lutar por melhores reajustes salariais, num tempo em que a inflação consumia uma fatia importante da remuneração dos assalariados
O violino do presidente do Banco Central está afinado com os “ortodoxos” do mercado financeiro. É contra a política monetária conduzida por Meirelles que o ex-deputado Delfim Netto bate o bumbo. Delfim é identificado hoje com os “desenvolvimentistas” da indústria. Em 1977, era pela segunda vez ministro da Fazenda do governo militar, quando alguns sindicatos de trabalhadores, proibidos por lei de fazer greves por aumentos de salários, lançaram uma campanha inovadora. Em assembléias pacíficas e com recursos à Justiça, os trabalhadores pediam uma reposição salarial de 34,1%. Era a diferença entre a inflação oficial dos anos de 1973 e 1974 e o índice verdadeiro, escondido pelo governo, mas revelado num relatório do Banco Mundial. Foi nesse movimento, contra Delfim, que despontou o sindicalista Luiz Inácio da Silva, o Lula. Depois vieram as greves, a CUT e o PT.
O comitê informal de Lula incorporou dois professores, Belluzzo e Coutinho, que no passado fizeram a cabeça de Ulysses Guimarães no velho MDB. Ligados ao antigo PCB, eles estiveram próximos de Lula em muitas ocasiões. Praticamente romperam os laços em 2004, quando Meirelles, apoiado pelo ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, promoveu uma seqüência de aumentos na taxa de juros que deteve a inflação ao custo de encolher a economia – num movimento que muitos chamam de cavalo-de-pau. Belluzzo e Coutinho chegaram a participar do “Copom Sombra”, que publicava artigos espinafrando o verdadeiro Copom. Em 2005, ao ver o Produto Interno Bruto (PIB) do país diminuir como resultado daquela política, Lula repreendeu Palocci com uma bronca inesquecível: “Aqui, ó, que vocês vão dar mais cavalo-de-pau no meu governo!”.
A reeleição do presidente em 2006 e dois anos seguidos de crescimento do PIB acima de 4% provocaram uma releitura do passado. O próprio Lula passou a se referir a 2004 como um “erro de dosagem” e a atribuir os bons resultados, na economia e na política, ao trabalho da dupla Meirelles–Palocci nos primeiros anos de governo. Sucessor de Palocci e ex-assessor de Lula no Instituto Cidadania, Guido Mantega manteve a ponte com os economistas do velho MDB e promoveu a reaproximação. Luciano Coutinho já freqüentava o Planalto em conversas discretas desde o final do primeiro mandato. A um amigo ele fez recentemente um elogio a Meirelles e ao “ambiente desanuviado” nos debates internos sobre economia.
É o ministro da Fazenda quem organiza as reuniões do comitê informal, faz os convites e propõe os temas de debate. As reuniões ocorrem quase sempre em volta da grande mesa retangular da “sala de situação”, um local discreto com acesso direto ao gabinete do presidente no 3o andar do Palácio do Planalto. Os encontros nunca aparecem na agenda oficial de Lula, que tem tanto horror de inflação quanto do vazamento de notícias sobre reuniões reservadas. Em julho do ano passado, Guido Mantega convidou o comitê para um jantar em sua casa, incluindo na lista o colega do Planejamento Paulo Bernardo. O comitê aguardava a chegada do presidente quando chegou a notícia da queda do avião da TAM no aeroporto de Congonhas. Não houve reunião naquela noite.
O ambiente pode estar menos carregado, como descreveu o presidente do BNDES, mas o conflito de idéias permanece e é muito forte sobre alguns temas. Meirelles não conseguiu convencer nenhum dos demais conselheiros sobre o risco inflacionário representado pela alta dos preços de alimentos e outros produtos. Na última reunião do grupo, no fim de março, Coutinho, Belluzzo, Delfim e Mercadante sugeriram esperar que os preços dos alimentos voltassem ao normal. Ciro Gomes disse que um aumento dos juros seria “a burrada final”. Meirelles sustentou que a demanda vem se acelerando num ritmo maior que a oferta – o que provoca inflação – e que a ação deve ser preventiva, e não posterior. O presidente do BC e o ministro da Fazenda evitam falar sobre decisões oficiais para um grupo que inclui consultores privados, um deputado e um senador.
No caso dos juros, o comitê informal pensava de uma forma e o presidente do BC de outra, o que acabou prevalecendo. No ano passado, quando o governo decidiu fixar em 4,5% a meta de inflação para 2009, os economistas mais próximos do BC defendiam um objetivo mais rigoroso, de 4%. Daquela vez, a vitória, no comitê informal e na decisão de governo, foi de Mantega. Também houve consensos, como na reunião de dezembro que discutiu o que fazer para compensar a perda de arrecadação com o fim da CPMF – e indicou o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O próximo desafio é o câmbio, que está sobre a mesa desde as primeiras reuniões. Como esse é um tema que divide economistas no mundo inteiro – e para o qual contribui até mesmo a providência divina, segundo o ex-ministro Delfim –, os conselheiros informais de Lula terão muito o que falar.
Os conselheiros No grupo de economistas que aconselham Lula, há dois potenciais candidatos a sua sucessão: Dilma Rousseff e Ciro Gomes Aloizio Mercadante Senador (PT-SP)Assessor de Lula desde a fundação do PT, é economista e discípulo da professora Maria Conceição Tavares (UFRJ). É da linha desenvolvimentista, que sempre fez forte oposição à ortodoxia econômica. Luiz Gonzaga Belluzzo Pres. do conselho da TV Brasil Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987), é ligado à Unicamp. Diz que a atual configuração do capitalismo não permite melhorar a qualidade das políticas sociais públicas. Luciano CoutinhoPresidente do BNDES Consultor até assumir o BNDES, é especialista em economia industrial e inter-nacional. Seus estudos sempre tiveram como tema principal o lado real da economia. É um crítico severo da atuação do Banco Central. Dilma Rousseff Ministra-chefe da Casa CivilDoutora em Economia Monetária e Financeira, assumiu a coordenação do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimen to, e virou o principal símbolo da ala desenvolvimentista do governo Lula. Guido Mantega Ministro da Fazenda Outro antigo assessor de Lula, é economista e professor da Fundação Getúlio Vargas. Sempre foi crítico do modelo que prega o enxugamento do Estado, com privatizações e cortes de investimentos. Ciro Gomes Deputado federal (PSB-CE) Ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, ajudou a implementar o Plano Real, mas depois rompeu com o PSDB. Hoje, é tido como aliado leal do presidente Lula. Também é crítico do liberalismo. Henrique Meirelles Presidente do Banco Central Ex-presidente do BankBoston, foi eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás em 2002. Renunciou ao cargo para presidir o BC. É considerado o mais ortodoxo do grupo, principal defensor da atual política monetária. Antonio Delfim NettoEx-ministro da Fazenda Ministro da Fazenda e da Agricultura no regime militar e um dos responsáveis pelo período que ficou conhecido como milagre econômico, é o mais experiente da turma. É um dos maiores críticos da política monetária ortodoxa.