18.3.08

GENOCÍCIO CULTURAL > TIBETE

Líder espiritual tibetano dalai-lama faz apelo mundial pela independência do Tibete e menciona possível renúncia ao cargo
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Especial
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PROTESTOS NO TIBETE
Os protestos de tibetanos espalharam-se neste domingo por toda a China, com pelo menos sete manifestantes mortos em Sichuan (sudoeste) pela forte repressão chinesa, que já deixou dezenas de mortos em Lhasa e levou o Dalai Lama a denunciar o «regime de terror» imposto por Pequim, noticia a AFP. Lhasa, capital da Região Autónoma do Tibete, continuava fechada aos turistas e cercada pelas forças de segurança neste domingo após as manifestações da última sexta-feira, que segundo o governo tibetano no exílio já deixaram 80 pessoas mortas, número muito superior às dez vítimas admitidas pelas autoridades chinesas. Tibete: contradições no número de mortos Tibete: comunidade internacional preocupada Ngawa, adiantou a organização Campanha Internacional pelo Tibete. Na Europa, vários cidadãos saíram às ruas para protestar contra a violência dos últimos dias. Na Holanda, perto de 400 manifesta ntes que contestavam a presença chinesa no Tibete tentaram tomar de assalto a Embaixada da China em Haia, destruindo parte da vedação da representação diplomática de Pequim.




EDITORIAL
Folha de S. Paulo
18.03.2008
A CHINA, apesar dos ares de modernidade propiciados por seus invejáveis índices de industrialização e crescimento econômico, permanece uma ditadura brutal.Como o governo de Pequim controla todas as informações e tornou o Tibete território proibido para jornalistas, é difícil avaliar o que lá ocorre. Tibetanos no exílio afirmam que a repressão aos protestos antichineses deixou mais de cem mortos neste fim de semana, enquanto Pequim admite pouco mais de uma dezena -a maioria de chineses da etnia han, que foram violentamente atacados por tibetanos.O retrospecto das autoridades chineses recomenda ceticismo com declarações oficiais. Ainda assim, pelas informações disponíveis, parece que Pequim está evitando um banho de sangue às vésperas dos Jogos Olímpicos, que ocorrerão em agosto na capital chinesa.A moderação interessada de hoje não torna menos condenável a política de Pequim para o Tibete, que vem sendo governado com mão-de-ferro desde 1959, após o fracasso da revolta anticomunista que levou o dalai-lama a exilar-se. Além da violação sistemática dos direitos humanos, as tradições do país vêm sendo desrespeitadas -numa espécie de "genocídio cultural", como diz o líder espiritual.O ideal seria encontrar solução acordada, pela qual os tibetanos gozassem de autonomia de fato. O dalai-lama já declarou aceitar essa solução, abrindo mão do pleito por independência. A soberania sobre o Tibete é importante para Pequim, pois a região, rica em recursos minerais, ocupa mais de 10% do território do país e extensa faixa de fronteira. Apesar disso, conferir autonomia política e cultural ao Tibete não seria inédito para a China, que já convive com situação similar no caso de Hong Kong.Nada indica, contudo, que Pequim vá renunciar ao uso da força contra a indefesa população tibetana.

DILEMA EM PEQUIM
O Globo
18.03.2008
A cinco meses das Olimpíadas, a última coisa que as autoridades chinesas desejariam é uma onda de protestos no Tibete, a ampliação do movimento para outras províncias chinesas onde vivem tibetanos e os reflexos disso em Pequim e fora do país. Mas é justamente isso o que acontece e cerca de 100 pessoas já morreram na repressão.
As manifestações coincidem com o 49º aniversário do levante de 1959 contra a ocupação chinesa, duramente reprimido por Pequim, resultando na fuga do Dalai Lama - líder espiritual e político do Tibete - para o exílio na Índia, seguido por monges e cerca de 80 mil tibetanos.
As tropas chinesas invadiram o Tibete em 1950, após Mao Tsé-tung assumir o poder. A região fora conquistada anteriormente tanto por chineses quanto por mongóis, mas naquele momento era independente. A princípio Mao manteve contatos amistosos com o Dalai Lama, para ganhar tempo até que suas tropas estivessem em condições de enfrentar o exército tibetano. O que se seguiu foi o aniquilamento físico, cultural e religioso do país, no que ficou conhecido como "A grande destruição". Em conseqüência, a causa tibetana ganhou aliados e simpatizantes em todo o mundo. Os tibetanos contam com uma arma poderosa: sua fé.
Com a aproximação das Olimpíadas, Pequim está em situação delicada. Quer acabar logo com o protesto por mais liberdade política e religiosa dos tibetanos, como é de seu estilo e ficou evidenciado na repressão ao movimento pró-democracia da Praça da Paz Celestial (1989). Mas teme que isso prejudique os Jogos Olímpicos, dando motivos aos que acusam a China - com razão - de desrespeito aos direitos humanos.
Os acontecimentos no Tibete mostram as contradições de uma China que se moderniza, enquanto mantém o sistema político de partido único, uma ditadura comunista. A comunidade internacional deve pressionar e deixar claro que práticas desumanas e antidemocráticas em relação a dissidentes e minorias são incompatíveis com o peso e as responsabilidades da China. O respeito aos direitos humanos é condição sine qua non para que o país seja considerado membro pleno da comunidade de nações.

Várias pessoas foram mortas esta sexta-feira no centro histórico de Lhasa, capital do Tibete: «Claro que há mortos», disse uma funcionária do centro de emergência médica da cidade, contactada por telefone. «Estamos muito ocupados com os feridos, há muitos», acrescentou.
Tibete: comunidade internacional preocupada Tibete: monges tentam suicídio
Entretanto, a China fechou a capital do Tibete aos turistas estrangeiros, depois das forças de segurança terem disparado contra monges budistas que se manifestavam contra a administração chinesa da região, disseram esta sexta-feira diversas testemunhas à Lusa em Pequim.
«Neste momento não fazemos reservas de alojamento, os estrangeiros não podem entrar em Lhasa», disse à Lusa o funcionário de um hotel de cinco estrelas na capital tibetana. «Talvez daqui a um mês os turistas já possam vir», acrescentou o empregado do hotel.
A Rádio Free Asia, que citou testemunhas em Lhasa, afirmou existirem pelo menos dois mortos no centro histório da capital tibetana, acrescentando que a polícia chinesa disparou contra a multidão de manifestantes tibetanos.
Os manifestantes «atacaram as lojas chinesas e a polícia disparou balas verdadeiras contra a multidão. Ninguém está autorizado a ir a Lhasa agora», disse uma fonte tibetana à rádio, com sede nos Estados Unidos.
De acordo com a emissora, que mais uma vez citou testemunhas, os tibetanos estão a atacar tudo o que represente a presença chinesa na cidade.
Segundo a agência estatal chinesa, as demonstrações de violência desta sexta-feira intensificaram-se entre as 14h e as 16h30 (6h e 8h30 em Lisboa) e um número indeterminado de feridos acabou por ser conduzido para o hospital depois dos protestos.
Até hoje, o governo chinês sempre afirmou que a ordem tinha sido restabelecida em Lhasa e só esta tarde é que a agência noticiosa estatal chinesa admitiu que a violência aumentou na capital tibetana.
A crescente tensão é consequência dos três dias de protestos dos monges budistas de Lhasa, que já se estenderam a outros mosteiros em zonas rurais do Tibete e fora da província


Tibete: monges tentam suicídio
Tropas chineses cercam mosteiros, após três dias de manifestações
MAIS > «Inimagináveis» violações dos direitos humanos
Vídeo: monges tibetanos dão consultas em Portugal
A tensão no Tibete aumentou esta sexta-feira com dois monges a tentar o suicídio e as autoridades chinesas a fechar mosteiros após três dias de manifestações contra a administração chinesa na capital, Lhasa, divulgaram organizações internacionais pró-Tibete.
«Os dois monges que aparentemente tentaram o suicídio foram identificados (...) estão em estado crítico e têm pouca probabilidade de sobreviver», disse a organização Campanha Internacional pelo Tibete, sedeada em Londres, que citava testemunhos divulgados pela Radio Free Asia (RFA).
Monges em estado grave
De acordo com a RFA, rádio financiada pelo governo dos Estados Unidos, os dois monges correm risco de vida depois de terem cortado os pulsos numa aparente tentativa de suicídio. Segundo a Campanha Internacional pelo Tibete, os monges que pertencem ao mosteiro de Drepung, um dos maiores do Tibete, situado perto de Lhasa, foram presos, mas as autoridades chinesas negam essa informação.
Organizações internacionais afirmam que a revolta que gerou os protestos dos últimos dias já alastrou a outros mosteiros da província vizinha de Qinghai.
«Há uma atmosfera crescente de medo e tensão em Lhasa no momento», referiu à imprensa estrangeira Kate Saunders, porta-voz da Campanha.
A resposta inicial das autoridades chinesas aos protestos foi mais discreta que no passado, mas a polícia já começou a interrogar os monges individualmente, acrescentou Saunders, em Londres.
Os grupos pró-Tibete e a Amnistia Internacional divulgaram na quinta-feira que a polícia chinesa usou gás lacrimogéneo e bastões eléctricos, e que prendeu mais de 50 monges, para travar as manifestações na capital.
Os militares chineses mataram dezenas de milhares de tibetanos na revolta de 1959, segundo a página de Internet do governo tibetano no exílio.
Centenas em protesto
Centenas de pessoas juntaram-se na capital tibetana em novas manifestações lideradas por monges budistas contra a administração chinesa no Tibete, queimando carros da polícia, com a tensão a aumentar na região, informou a Radio Free Ásia.
Uma mulher tibetana com familiares em Lhasa, capital do Tibete, disse à rádio que «as manifestações têm já centenas de pessoas, incluindo monges e civis». «Os manifestantes queimaram carros da polícia e do exército no centro de Lhasa».
«Há uma atmosfera crescente de medo e tensão em Lhasa no momento», disse à imprensa estrangeira Kate Saunders, porta-voz da organização Campanha Internacional pelo Tibete (CIT), sedeada em Londres. «Muitos outros monges estão também a ferir-se a si próprios em desespero», disse uma fonte anónima à Rádio Free Asia.
Tensão no Tibete pouco antes dos Jogos Olímpicos
De acordo com a CIT, as manifestações espalharam-se já também aos mosteiros de Reting e de Ganden, para além de Sera, os mais importantes mosteiros da região, chamados «três pilares do Tibete».
As manifestações voltam a por em causa a forma como a China administra o Tibete, poucos meses antes dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, que decorrem entre 8 e 24 de Agosto.
Na segunda-feira, o Dalai Lama voltou a insurgir-se contra o que considera serem acontecimentos inimagináveis.
China fechou capital do país aos turistas estrangeiros
Fotografias
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Tibete: monges tentam suicídio
Várias pessoas foram mortas esta sexta-feira no centro histórico de Lhasa, capital do Tibete, avança a agência Lusa.
«Claro que há mortos», disse uma funcionária do centro de emergência médica da cidade, contactada por telefone. «Estamos muito ocupados com os feridos, há muitos», acrescentou.
Tibete: comunidade internacional preocupada Tibete: monges tentam suicídio
Entretanto, a China fechou a capital do Tibete aos turistas estrangeiros, depois das forças de segurança terem disparado contra monges budistas que se manifestavam contra a administração chinesa da região, disseram esta sexta-feira diversas testemunhas à Lusa em Pequim.
«Neste momento não fazemos reservas de alojamento, os estrangeiros não podem entrar em Lhasa», disse à Lusa o funcionário de um hotel de cinco estrelas na capital tibetana. «Talvez daqui a um mês os turistas já possam vir», acrescentou o empregado do hotel.
A Rádio Free Asia, que citou testemunhas em Lhasa, afirmou existirem pelo menos dois mortos no centro histório da capital tibetana, acrescentando que a polícia chinesa disparou contra a multidão de manifestantes tibetanos.
Os manifestantes «atacaram as lojas chinesas e a polícia disparou balas verdadeiras contra a multidão. Ninguém está autorizado a ir a Lhasa agora», disse uma fonte tibetana à rádio, com sede nos Estados Unidos.
De acordo com a emissora, que mais uma vez citou testemunhas, os tibetanos estão a atacar tudo o que represente a presença chinesa na cidade.
Segundo a agência estatal chinesa, as demonstrações de violência desta sexta-feira intensificaram-se entre as 14h e as 16h30 (6h e 8h30 em Lisboa) e um número indeterminado de feridos acabou por ser conduzido para o hospital depois dos protestos.
Até hoje, o governo chinês sempre afirmou que a ordem tinha sido restabelecida em Lhasa e só esta tarde é que a agência noticiosa estatal chinesa admitiu que a violência aumentou na capital tibetana.
A crescente tensão é consequência dos três dias de protestos dos monges budistas de Lhasa, que já se estenderam a outros mosteiros em zonas rurais do Tibete e fora da província.

Dalai Lama fala em «genocídio cultural»
Líder espiritual tibetano preocupado com o clima de terror instaurado no território
Fotografias
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Dalai Lama, humano como nós
«Ninguém pode ser forçado a estar com Dalai Lama»
Desde o seu exílio na Índia, o Dalai Lama pediu uma investigação internacional para averiguar se está em marcha um «genocídio cultural» no Tibete, dados os confrontos registados nos últimos dias, em que terão morrido cem pessoas, noticia a BBC.
«A nação tibetana enfrenta um grave perigo. Mesmo que a China não o admita, existe um problema», afirmou o líder espiritual, reconhecendo que se vive «um regime de terror» no território. Ainda assim, considera que esta situação não pode pôr em causa a realização dos Jogos Olímpicos, porque será uma oportunidade para os chineses demonstrarem o seu apoio aos princípios da liberdade.
Tibete: contradições no número de mortos Tibete: comunidade internacional preocupada
Entretanto, as autoridades no Tibete declararam uma «guerra popular» aos autores dos actos de violência em Lassa, que Pequim acusa de serem separatistas a soldo do Dalai Lama. Segundo o diário do Tibete, os responsáveis locais mantiveram uma reunião de crise no sábado, sob direcção do secretário regional do Partido Comunista, Zhang Qingli.
«A reunião sublinhou que é preciso (...) iniciar uma guerra popular contra a divisão e para proteger a estabilidade», escreve o jornal, acrescentando que é preciso «contra-atacar firmemente» e «abater a fúria arrogante das forças hostis».
As autoridades regionais reiteraram as acusações oficiais de complôt fomentado pelos fiéis do Dalai Lama, líder espiritual dos tibetanos, que vive no exílio: «Os factos mostram claramente uma orquestração minuciosa das forças separatistas e reaccionárias do interior e do estrangeiro. O seu objectivo é a independência. É preciso denunciar e criticar os actos criminosos e fazer luz sobre a face odiosa do grupo do Dalai Lama».

«O Dalai Lama não é um simples líder religioso»
China censura encontro entre a chanceler alemã e o líder tibetano
O Governo chinês voltou a criticar esta terça-feira o encontro de responsáveis políticos com o Dalai Lama depois da chanceler alemã Angela Merkel ter anunciado que receberá no seu próprio gabinete o líder tibetano no exílio, noticia a Lusa.
«A nossa posição é clara e mantém que o Tibete sempre foi parte da China e é por isso um assunto interno do nosso país», disse Jiang Yu, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.
Jiang repetia assim a posição que Pequim manifestou na semana passada quando criticou o parlamento português por receber o Dalai Lama na visita a Portugal, entre 12 e 16 de Setembro.
A porta-voz chinesa, em conferência de imprensa de rotina, apelou também à chanceler alemã para que não receba o Dalai Lama e reiterou o ponto de vista de Pequim, afirmando que «o Dalai Lama não é um simples líder religioso e, ao envolver-se em actos separatistas, tentou separar o Tibete da pátria chinesa».
O Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês convocou o embaixador alemão em Pequim, Michael Schäfer, para apresentar um protesto formal contra o encontro entre Merkel e o Dalai Lama, marcado para 23 de Setembro.
Merkel será a primeira chefe do governo da Alemanha a receber formalmente o Dalai Lama, a autoridade máxima política e religiosa tibetana, exilado desde que a China anexou militarmente o Tibete em 1959.

PROTESTOS NA EUROPA CONTRA A VIOLÊNCIA NO TIBETE


Pequim usa a força para calar protestos no Tibete
NARENDRA SHRESTHA / epa
Violência continua não só no Tibete como noutras regiões chinesas
Orlando Castro

Os protestos contra a Administração chinesa no Tibete entraram na segunda semana e estão a espalhar-se a outras províncias da China, com o Governo a usar a força para calar a revolta liderada pelos monges budistas. Pequim fala em 16 mortos, mas fontes ocidentais admitem que possam ser centenas. Com o fantasma de Tiananmen presente nos principais areópagos da política internacional, EUA e União Europeia procuram uma solução pacífica que possa agradar às duas partes. Com o Conselho de Segurança da ONU em silêncio (a China é um dos cinco membros permanestes, ao lado de EUA, Rússia, França e Reino Unido), Pequim garante não ceder a qualquer tipo de chantagem, uma alusão ao eventual boicote aos Jogos Olímpicos (já rejeitado pelo Ocidente), e reafirma o "uso de todos os meios necessários para manter a integridade territorial do país".Segundo o representante chinês no Conselho de Segurança da ONU, Liu Zhenmin, "a questão do Tibete é apenas um acto de violência local e, por isso, um assunto doméstico", acrescentando que "só a miopia dos inimigos da China, liderados pelo Dalai Lama, não percebe que as manifestações se devem à proximidade dos Jogos Olímpicos e à cobertura mediática do Ocidente".Terminado o prazo dado por Pequim para que os manifestante tibetanos se rendessem, são escassas as informações porque a China não só impede a entrada de jornalistas na região, como expulsou os que lá estavam. Além disso, bloqueou o acesso à Internet, nomeadamente ao YouTube e ao Google News. Os EUA já denunciaram a expulsão de jornalistas estrangeiros do Tibete, estimando que se trata de uma evolução "preocupante" e "decepcionante" da situação depois dos sangrentos confrontos em Lhasa, a capital tibetana.A China define as manifestações antichinesas no Tibete como "manobras de propaganda de um pequeno número de de-sordeiros" que Pequim diz serem manipulados "pelo grupo independentista do Dalai Lama".

A ENCRUZILHADA DE DALAI
FLORÊNCIA COSTA
Época num. 0517
12.04.2008
Surpreendido pela radicalização dos protestos contra a China às vésperas das Olimpíadas de Pequim, o líder tibetano perde o controle sobre seus seguidores e começa a preparar sua sucessão
Uma espada ritual foi entregue em suas mãos em sinal de reverência pelos indianos duas semanas atrás, diante do monumento em memória do líder pacifista Mahatma Gandhi. Foi a primeira vez em sua vida que Tenzin Gyatso, a 14ª encarnação do Dalai-Lama para os milhões de budistas tibetanos, teve uma espada nas mãos. Naquele sábado, 29 de março, um culto ecumênico lembrava as vítimas tibetanas em Lhasa, ocupada pelos tanques do Exército chinês no fim de março de 1959. O 14º Dalai-Lama parecia sem força para erguer a espada. Pediu que todos os líderes religiosos presentes a segurassem com ele. Um dos maiores líderes pacifistas do mundo temia transmitir uma mensagem contraditória com o que ele vem repetindo como um mantra: a não-violência como método de resistência à ocupação chinesa do Tibete. O caminho do meio, o equilíbrio entre as paixões, pregado por Buda. Mas, depois de 49 anos, muitos tibetanos estão cansados de esperar pelos resultados do pacifismo do Dalai. Apelam para métodos mais normais de protesto, que incluem até confronto violento.
Sua estratégia do “caminho do meio” parece, hoje, tão frágil quanto a tocha olímpica, que, a caminho de Pequim, vem sendo perseguida por manifestações pró-Tibete. Por causa disso, o Dalai-Lama está menos sorridente, menos brincalhão do que costuma ser. A cerimônia religiosa no memorial de Gandhi era seu último dia de visita a Nova Délhi. Durante oito dias, ele dera palestras sobre compaixão e meditação budistas no hotel Ashok, a apenas 500 metros da embaixada chinesa, invadida por ativistas tibetanos alguns dias antes.
O líder espiritual que popularizou o budismo tibetano no mundo todo graças a seu imenso carisma está abatido. “Vi muitas imagens e fotos da violência em Lhasa. Senti muita tristeza”, disse, sobre os protestos iniciados no fim de março. “Quando alguém recebe uma crítica ou agressão, quer logo responder da mesma forma, mas não posso me deixar dominar pelo ódio.”
O Dalai enfrenta seu maior dilema desde 1959. Naquela época, ante a invasão chinesa, decidiu abandonar o Tibete e estabelecer um governo no exílio em Dharamsala, na Índia. Durante cinco décadas, ele tem mantido sua estratégia. Mas teme ver o movimento pró-Tibete sair de seu controle e passar aos ativistas radicais que defendem o confronto. “É mais um exemplo de uma politização mais ampla da religião no mundo”, diz Jim Holt, professor de Religião do Bowdoin College, nos Estados Unidos. “Não gosto do termo fundamentalismo budista, mas com certeza existe uma militância se manifestando.”
Muitos dos jovens tibetanos mais radicais nasceram no exílio. Como o poeta Tenzin Tsundue, de 26 anos, um dos organizadores do protesto contra as Olimpíadas de Pequim iniciado no dia 10 de março. Numa marcha simbólica de volta ao Tibete, os manifestantes deixaram Dharamsala em direção à fronteira com o Tibete. “O diálogo deve acontecer com a vontade dos dois lados. O caminho do meio, apesar de filosoficamente maravilhoso, não é prático com a China”, diz Tsundue.
O Dalai-Lama ainda é a voz que os tibetanos mais respeitam, e nem mesmo os mais radicais desafiam abertamente sua autoridade. Mas em seu quarto, em Dharamsala, Tsundue tem uma foto de um líder bem diferente: Che Guevara, o guerrilheiro-símbolo da Revolução Cubana.
“Temos de descobrir o que deu errado desta vez”, disse o Dalai-Lama sobre os protestos violentos. Desde 1967, quando visitou o Japão e a Tailândia, países com grandes comunidades budistas, o Dalai-Lama sabe o valor que a simpatia internacional a sua causa pode ter. Em 1973, quando visitou a Europa, começou a espalhar seu carisma para o Ocidente. Em 1989, seu prestígio internacional era tão grande que recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Agora, tenta novamente ganhar o apoio que seu pacifismo lhe rendeu no passado. “Nós não poderíamos ser vistos como criadores de problemas”, diz. “A abordagem violenta é errada.”
“A nova geração costuma dizer que, enquanto o Dalai-Lama estiver aqui, vai seguir seus conselhos”, diz o próprio Dalai-Lama. “Mas eu me preocupo com o futuro. E sempre aconselho a nova geração a centrar a atenção na educação e na economia.” O Dalai-Lama usa com freqüência os termos “lógico” e “realista”. “Sua determinação em ser completamente empírico – como se fosse um médico da mente dedicado a examinar as coisas como elas são, chegar a um diagnóstico claro e então sugerir uma resposta prática – é uma das coisas que fizeram do atual Dalai-Lama uma das mais brilhantes e vigorosas figuras no cenário mundial”, afirmou o jornalista britânico Pico Iyer. Ele é o autor de The Open Road: the Global Journey of the Fourteenth Dalai Lama (A Estrada Aberta: a Jornada Global do 14º Dalai-Lama). E foi esse realismo que levou o Dalai-Lama a mudar sua posição.
Ele já não luta pela independência do Tibete. Defende apenas a autonomia da região, que continuaria integrada à China. O Dalai-Lama acredita que é o melhor caminho para a economia e também o mais realista: “Espiritualismo não enche estômago vazio”, diz. “Nós precisamos de desenvolvimento material e, estando na China, teríamos muitos benefícios.” Afinal, a China é o país que mais cresce no mundo.
O pacifismo do Dalai-Lama, hoje, parece tão frágil quanto a tocha olímpica, perseguida por protestos a caminho de Pequim Mas o Dalai-Lama condiciona o atrelamento à China ao respeito aos direitos humanos, à cultura e à religião dos tibetanos. Exigências enormes para o governo comunista chinês. “Quero o diálogo com a China. Mas não temos poder para obrigá-los a se sentar à mesa de negociação. Por isso, apelo para a comunidade internacional. Eu só posso rezar.”
Para acalmar Pequim, o Dalai-Lama tenta desfazer a imagem de que os tibetanos são antichineses. Sempre fala dos “irmãos e irmãs chineses”. E faz questão de lembrar seus encontros com o líder comunista Mao Tsé-tung durante a década de 50. “Na época, tive uma genuína admiração pelo camarada Mao”, diz. “Eu estava atraído pelo marxismo e, na verdade, queria até entrar para o Partido Comunista. Muitos tibetanos são comunistas.”
E vários deles até festejaram a entrada das tropas da China comunista no Tibete, em 1950. Para alguns, o regime liderado pelos lamas budistas entre 1912 e 1950, quando o Tibete se considerou independente, era mais opressor do que prometia ser a China revolucionária de Mao. O Dalai-Lama lembra, porém, que muitos desses comunistas foram presos pelo governo chinês nos inúmeros expurgos com que Mao castigava adversários dentro do PC.
O Dalai-Lama reconhece que os tibetanos estão cada vez mais frustrados com a falta de resultado de sua estratégia de diálogo pacífico. “Muitos me criticam, e não só na nova geração”, diz. Seu irmão mais velho, hoje com 80 anos, escreveu-lhe uma carta muito crítica quando o Dalai-Lama decidiu abandonar a reivindicação de independência do Tibete e adotar a mais moderada de autonomia. “Você vendeu os meus direitos de tibetano”, disse na carta. “Essas críticas vêm crescendo”, diz o Dalai-Lama. “Quando meu povo diz que o caminho do meio falhou, está expressando sua frustração.”
Do outro lado, a pressão também é grande. O governo chinês está preocupado com as conseqüências que uma escalada de protestos violentos pode ter nas Olimpíadas. Alguns países, como a França, ameaçam boicotar a cerimônia de abertura dos Jogos em apoio à causa tibetana. O parlamento da União Européia quer que os 27 países do bloco tomem essa decisão. Hillary Clinton, pré-candidata democrata à Presidência dos EUA, sugeriu que o presidente George W. Bush não compareça aos Jogos em protesto contra o tratamento dos chineses ao Tibete. Até o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge, se afastou da neutralidade política que sempre caracterizou a entidade. O COI está cobrando respeito aos direitos humanos dos tibetanos e liberdade de imprensa em Pequim. O governo chinês acusa o Dalai-Lama de não fazer nada para interromper os protestos num momento muito delicado. Para a China, os Jogos Olímpicos são uma oportunidade de mostrar ao mundo sua capacidade de organizar um evento global.
“Não tenho o direito de fazer os outros calar a boca. Buda pregava o direito de escolha”, diz o Dalai-Lama. Mas reafirma que é a favor das Olimpíadas em Pequim. No dia 3, ele pediu mais uma vez aos tibetanos que não ataquem a tocha olímpica, que chegou a ser apagada durante um protesto em Paris.
Entre os tibetanos, não são só os jovens que se sentem frustrados. Há uma velha geração que se considera traída. São os remanescentes dos 10 mil integrantes da guerrilha Chushi Gangdruk. Entre os anos de 1959 e 1974, eles enfrentaram os chineses. Os ex-guerrilheiros que vivem em Dharamsala permanecem com uma ferida aberta numa cidade que se tornou pólo turístico de budistas do mundo todo por ser a casa do pacifista 14º Dalai-Lama.
Os chushis gangdruks receberam treinamento da CIA, a central de espionagem americana. Os americanos haviam sido procurados por líderes tibetanos em 1956. Eles queriam aproveitar o grande jogo da Guerra Fria para avançar sua causa. O sonho da luta armada pela independência do Tibete morreu quando o presidente americano Richard Nixon visitou Pequim em 1972, num gesto inédito de aproximação entre os dois países.
Os guerrilheiros de Buda têm orgulho de seu passado, mas não escondem sua amargura: “A CIA nos usou em seu jogo sujo contra os chineses naquela época. Os americanos nos traíram e também os nepaleses”, diz Tsering, de 65 anos, com os olhos marejados. Entre a comunidade tibetana no exílio, esses ex-guerrilheiros são heróis. Mesmo que tenham rejeitado o caminho da não-violência do Dalai-Lama.
Em sua autobiografia, o próprio Dalai-Lama conta o episódio do apoio da CIA. Diz que seus irmãos, então os principais envolvidos nas negociações com os EUA, não contaram nada a ele. Segundo o Dalai, esse apoio causou mais sofrimento ao povo tibetano. “E deu ao governo chinês a chance de acusar os defensores da independência de apoiar potências estrangeiras.”
Quando, em 10 de março de 1959, o levante tibetano contra os chineses fracassou, os chushis gangdruks ajudaram o Dalai-Lama a fugir. O líder espiritual trocou o roupão de monge por um uniforme militar e colocou um rifle nas costas. “O rifle pesava muito. Eu não estava acostumado”, lembrou o Dalai-Lama há duas semanas, em Nova Délhi. Esse passado de luta armada não é um assunto fácil entre os budistas tibetanos. “Desde 1974, o movimento tibetano passou a ressaltar a não-violência e o diálogo. Então, tornou-se inconveniente falar sobre a luta armada”, diz o cineasta tibetano Tenzing Sonam, que, com a indiana Ritu Sarin, fez o documentário A Sombra do Circo: a CIA no Tibete.
O Tibete que o Dalai não viu Fora do país desde 1959, o líder budista não acompanhou a modernização de sua região sob o domínio chinês. Além dos mosteiros e monges, que sempre marcaram a paisagem tibetana, Lhasa hoje se parece com qualquer cidade moderna da Ásia. Nas grandes avenidas, os jovens usam os mesmos gadgets e roupas que sua geração usa no mundo todo. No karaokê, as imagens de Che Guevara e Bob Marley substituem as dos lamas ou do Buda. A linha de trem mais alta do mundo liga Pequim à capital tibetana e facilita a chegada da modernidade O Chushi Gangdruk ainda existe, mas não como movimento armado. Seus integrantes ainda acreditam na independência do Tibete – tese abandonada pelo Dalai. Para os ex-guerrilheiros, o caminho escolhido pelo líder os levará a ser traídos novamente. Desta vez pelos chineses. “As negociações com o governo da China nunca evoluíram, e o Tibete está se acabando com a invasão de chineses”, afirmou o ex-guerrilheiro Tsering. Desde a invasão de 1959, o governo chinês incentiva chineses da etnia Han, largamente majoritária no país, a se mudar para a região tibetana. Com a inauguração da estrada de ferro entre Pequim e Lhasa, em 2006, os contatos entre chineses e tibetanos ficaram mais fáceis. O progresso econômico da China faz com que esse intercâmbio entre a região autônoma do Tibete e o resto da China tenha um grande impacto positivo. Mas a transferência de chineses para a região ameaça a identidade do lugar. “Nossa cultura está sendo esmagada e nossa religião também”, diz Tsering. “Temos de adotar a não-violência ativa, como Mahatma Gandhi fez. O que o Dalai-Lama propõe é passivo”. Gandhi, em seu movimento pela libertação da Índia, fazia greves de fome e liderava marchas de protesto e paralisações.
O crescente descontentamento dos tibetanos com a liderança do Dalai-Lama pode fazê-lo renunciar a seu poder político. Mesmo assim, ele manteria seu status religioso. Para os budistas tibetanos, Tenzin Gyatso é a 14ª encarnação do primeiro Dalai-Lama, Gedun Drupa, que viveu entre 1391 e 1474. Tenzin Gyatso começa a falar em nomear seu sucessor mesmo antes de sua morte. Sua idéia causou polêmica entre os milhões de budistas do mundo. Por que o Dalai-Lama quer mudar uma tradição de séculos? “Ele sempre pregou mudanças e democracia”, diz Tempa Tsering, chefe do escritório do Dalai-Lama em Nova Délhi e seu cunhado. “Não podemos esquecer que foi o Dalai-Lama que começou o processo de democratização no exílio”, diz.
Em 1959, logo depois de sair do Tibete, o Dalai-Lama estruturou o sistema de governo no exílio: uma democracia parlamentarista instalada em Dharamsala. A primeira eleição foi em 1960 e a Constituição foi promulgada no ano seguinte. Ela prevê até o impeachment do Dalai-Lama como chefe de Estado. Tudo muito diferente do sistema feudal-monástico, que prevaleceu no Tibete durante séculos.
Habituados com o regime criado no exílio, os tibetanos sonham em transportar esse sistema para um Tibete autônomo dentro da China. A idéia não agrada a Pequim. Para solapar a principal liderança tibetana, o regime comunista decidiu intervir na religião dos tibetanos. Em setembro de 2007, Pequim anunciou que as futuras encarnações do Dalai-Lama passam pelo governo chinês. A movimentação para controlar a sucessão tibetana começou em 1995, quando o Dalai-Lama escolheu Gendun Choekyi Nyima, um garoto de 6 anos, como o 11º Panchen-Lama – a segunda figura mais importante no budismo tibetano. Logo depois do anúncio, o Panchen-Lama – que teria um papel crucial na escolha do próximo Dalai-Lama – desapareceu. Em seu lugar, o governo chinês escolheu Gyaltsen Norbu, filho de um funcionário do Partido Comunista no Tibete, como o 11o Panchen-Lama. Esse segundo garoto não é reconhecido pelo povo tibetano. O outro continua sumido. Com Dalai-Lama envelhecendo – hoje tem 72 anos –, aumenta a preocupação dos tibetanos sobre quem será o novo líder espiritual. Os chineses, afinal, têm os panchen-lamas (o desaparecido e o que nomearam) e por meio deles podem apontar o próximo Dalai. Por isso, o atual Dalai-Lama pensa em alternativas.
Para Tenzin Gyatso, a instituição do Dalai-Lama não tem necessariamente de continuar. Mesmo sendo uma tradição de liderança espiritual e política que dominou o Tibete nos últimos 500 anos. Para o budismo tibetano, um lama da alta hierarquia volta à vida até sua missão estar completa. Algumas profecias dão margem à interpretação de que o 14º Dalai-Lama seria a última encarnação.
Antes dos dalai-lamas, quem acumulava o poder espiritual e político no budismo tibetano eram os karmapas, mestres dos governantes mongóis e imperadores chineses que dominaram o Tibete por séculos. É nessa figura que está a nova cartada dos tibetanos no exílio para evitar o controle chinês sobre seu budismo. O 17º Karmapa – suposta reencarnação do 16o Karmapa, que morreu nos EUA em 1981 – está na Índia, junto do Dalai.
Trata-se de um jovem monge que fugiu no ano 2000 do Tibete até a Índia, com 14 anos. Hoje, aos 22, é a segunda figura mais reverenciada do budismo. A fuga do 17º Karmapa causou imenso abalo nas relações entre a Índia e a China. De início, a China tentou disfarçar, afirmando que o monge havia ido à Índia só para buscar o tradicional chapéu preto que identifica os karmapas e alguns instrumentos musicais. É para ele que apontam todas as indicações do Dalai-Lama de quem será seu sucessor.
O Dalai-Lama já pensa na aposentadoria: “Quero me preparar para a próxima vida”, diz
O Dalai-Lama ainda tem energia para viajar muitos meses por ano, uma estratégia que aumenta sua popularidade e fortalece o budismo. Ele vive numa casa em frente ao templo Namgyal, em Dharamsala. Levanta às 3h30 ou às 4 horas, para meditar e fazer exercícios em uma bicicleta ergométrica. Às 5 horas, toma o café-da-manhã e lê as notícias na internet. Antes, costumava receber inúmeras visitas por dia, mas diminuiu o ritmo. Um hábito que não mudou, porém, é o de ler muito. O Dalai-Lama gosta de enciclopédias e livros sobre ciência. Especialmente sobre o funcionamento do cérebro. Sempre enfatiza em suas palestras que estudos feitos por neurocientistas com alguns de seus monges comprovam transformações físicas no cérebro causadas pela meditação.
Embora sua agenda de viagens já esteja marcada até para o ano que vem, o 14º Dalai-Lama vem preparando o terreno para se aposentar. E o Karmapa é a chave para isso também. “Quero devotar meu tempo para me preparar para a próxima vida”, diz o Dalai-Lama. Seria, como há meio século, uma saída surpreendente para a encruzilhada política que o desafia.
Um desafio para a China A violência contra os protestos tibetanos prejudica a imagem que Pequim quer firmar com as Olimpíadas Haroldo Castro Passei o último mês em três países que fazem fronteira com a China – Butão, Nepal e Índia. Tive acesso direto às diferentes versões dos acontecimentos. Por um lado, a agência governamental Xin hua inundou a imprensa dos países vizinhos com notícias de que o “bando do Dalai-Lama” havia sido responsável pelas mortes de civis chineses. Parte da população doméstica ficou revoltada contra os tibetanos.
Se o esquema funcionou internamente, não conseguiu convencer a outra parte do mundo. o líder espiritual e político tibetano, o 14º Dalai-Lama, goza, tanto no ocidente como no oriente (com exceção da China), de grande respeito e admiração.
Se o governo chinês tivesse agido com mais sutileza, a causa tibetana não teria conseguido tanto espaço na mídia internacional. Nem os ativistas ocidentais que pedem liberdade total para o Tibete teriam logrado que suas manifestações contra a tocha olímpica resultassem em tantas manchetes em Londres, Paris e São Francisco. o que me surpreendeu foi que, no Tibete, a China costuma agir com mais sutileza. Por que usar a força bruta? Bastava continuar a usar a arma silenciosa do poder político e econômico. Quando estive em Lhasa no ano passado, foi exatamente o que vi e ouvi. os tibetanos, apesar de estarem em sua própria pátria, sentem-se em uma prisão. Semanalmente, milhares de chineses han chegam a Lhasa por trem para ficar. A proporção de chineses no Tibete não pára de aumentar, pois, além disso, os tibetanos continuam se refugiando no Nepal. os melhores empregos no governo da província, nas empresas estatais e no próprio comércio são dados aos chineses. os mosteiros – coração da cultura tibetana – são vigiados (quando não sitiados) e o número de monges é mantido sob estrito controle. o guia que me acompanhou na visita ao Potala foi preso por quatro semanas por ter uma foto dele com o Dalai-Lama. Faltam menos de quatro meses para as olimpíadas. Se a China realmente quiser capitalizar esse evento global como seu passe de entrada no mundo das potências industrializadas, o governo deverá rever sua estratégia. Aceitar o diálogo com o Dalai-Lama seria um ato nobre que sossegaria o mundo e faria brilhar ainda mais a chama olímpica no dia 8 de agosto. Mas, para isso, é necessária muita humildade. A humildade de um monge budista.