DONA JOELISA
JOÃO AVELINO NETO
Catrumano da beira do Quilombo
Tem hora que acho que a memória é inconstante, negligente, preguiçosa. Mais ainda a minha. Fruto de choques culturais entre o campo e a cidade, não obstante ter nascido e crescido bem pertinho dela. Mas em tempos em que a comunicação era direta entre as pessoas de sua aldeia, sem a interferência dos meios de comunicação, então escassos, e o povo da roça não se importava com isso nem considerava isso importante para se viver. Nesse viver e caminhar conheci dona Joelisa e seu Pimenta na beira do Rio Santa Maria, em uma pequena propriedade, onde fui algumas vezes, ainda menino, na garupa do cavalo do meu pai, inclusive um dia à noite, em um mês de junho, de muito frio, que, para o menino, não era nada. Das margens do Santa Maria, dona Joelisa e seu Pimenta foram para as margens do Pacuí, vizinhos de Manoel Tinga, pai de Horácio, também Tinga. Dali eles subiram para a Lagoinha, onde permaneceram até a convocação para a partida final. Seu Pimenta tinha um caminhão a óleo diesel e nele fomos à Lapa de Bom Jesus, nos meados dos anos 50, junto com meu pai, minha mãe e irmãos, além de vizinhos e amigos das redondezas do Quilombo,lotando a carroceria do caminhão em seus bancos de madeira. Seu Pimenta foi chamado primeiro. Agora, dona Joelisa, deixando ambos uma saudade danada no meio da gente e mais ainda em Murilo,Joel,Neyla, Evelina e Marlene. As redondezas do Planalto do Pentáurea já não são as mesmas. Não é, Jacinto?
JOÃO AVELINO NETO
Catrumano da beira do Quilombo
Tem hora que acho que a memória é inconstante, negligente, preguiçosa. Mais ainda a minha. Fruto de choques culturais entre o campo e a cidade, não obstante ter nascido e crescido bem pertinho dela. Mas em tempos em que a comunicação era direta entre as pessoas de sua aldeia, sem a interferência dos meios de comunicação, então escassos, e o povo da roça não se importava com isso nem considerava isso importante para se viver. Nesse viver e caminhar conheci dona Joelisa e seu Pimenta na beira do Rio Santa Maria, em uma pequena propriedade, onde fui algumas vezes, ainda menino, na garupa do cavalo do meu pai, inclusive um dia à noite, em um mês de junho, de muito frio, que, para o menino, não era nada. Das margens do Santa Maria, dona Joelisa e seu Pimenta foram para as margens do Pacuí, vizinhos de Manoel Tinga, pai de Horácio, também Tinga. Dali eles subiram para a Lagoinha, onde permaneceram até a convocação para a partida final. Seu Pimenta tinha um caminhão a óleo diesel e nele fomos à Lapa de Bom Jesus, nos meados dos anos 50, junto com meu pai, minha mãe e irmãos, além de vizinhos e amigos das redondezas do Quilombo,lotando a carroceria do caminhão em seus bancos de madeira. Seu Pimenta foi chamado primeiro. Agora, dona Joelisa, deixando ambos uma saudade danada no meio da gente e mais ainda em Murilo,Joel,Neyla, Evelina e Marlene. As redondezas do Planalto do Pentáurea já não são as mesmas. Não é, Jacinto?
Alguns meses depois...
JACINTO DE NIQUIM
João Avelino Neto
Passava os dias de carnaval no Quilombo. No domingo, Gôda diz que Jacinto estava internado no São Lucas. Na segunda, de manhã, antes de ir para a lida roceira, ouço no rádio da cozinha de Dona Therezinha, minha mãe, enquanto tomava café feito por ela no fogão à lenha, a notícia da morte de Jacinto Leite Nonato.Vi Jacinto, de corpo presente, no final do ano passado, de passagem, defronte à Caixa Econômica. Estava esbelto, saudável. Foi só um olá, como está, precisamos encontrar, falar, relembrar e sonhar. Subi a Dr. Santos, com os olhos meio turvos, porque Jacinto lembra Joelisa e Pimenta.Tudo leva a crer que Jacinto se achava só no Pradinho, depois que se foram Seu Pimenta, Dona Joelisa, Daniel Pereira, Antônio Avelino, Izidro, Dilo Brandão, Nenca, Zé Pranchinha, Zé Madureira, João Congo e tantos outros que margearam os rios do Valo, Pacuí, Quilombo, Santa Maria, São Lamberto, Traíras.Porém, na mesma segunda, fui a cavalo a casa de Geraldim de João Élcio Rocha, nosso vizinho de cerca, assim como Arnaldo Gonçalves de Oliveira. Depois de passar por três ou quatro colchetes de arame, chego à porteira da nova morada de Geraldim, encosto o green para destramelar a cancela, passo a mão na tramela e sou recepcionado por um pequeno enxame de maribondos. Instintivamente, recuei o cavalo, que não levou nenhuma ferroada e tudo foi resolvido com a interferência de Geraldim, que levou algumas picadas.Jacinto é um dos últimos dos moicanos das Gerais de Montes Claros. Cada um deles tem uma história que precisa ser contada. No começo de 1968, há 40 anos, antes do AI-5, peguei uma empreitada de Arnaldo para destocar uma manga e tive a ajuda solidária de Jacinto, Sinfrônio, Ataíde, emprestando juntas de boi e pegando no arado, o último.São marcas indeléveis de um tempo que se foi e de uma saudade danada que invade a nossa alma.
...E então ela se fez passarinho...
Foi como um raio de clareza em minha vida,
fonte da luz, a pedra bruta da pureza,
o enigma indecifrável da alegria.
assim foi minha tia
célere e perspicaz
ela conversava com o vento e os bichos
contava histórias do além
lia mãos e destinos
era a rainha dos meninos
tia antevia amores e separações
iluminava caminhos e corações
Ela se foi como passarinho
sem nem saber que foi
desapegada e bela como a melhor criação de Deus
assim como viveu, se foi
em estado-pássaro
com leveza de alma
construiu a matriz da poesia
e se fez passarinho na brisa
minha tia JOELISA.
Murilo Antunes